A luta invisível


O Sindicato dos Jogadores associou-se à campanha "És vítima ou és testemunha?", promovida pela Rede Regional de Lisboa e Vale do Tejo de Apoio e Proteção a Vítimas de Tráfico de Seres Humanos. A mensagem, lançada por esta rede que integramos há vários anos, no Dia Europeu de Combate ao Tráfico de Pessoas, alerta para uma realidade obscura que se verifica no futebol e em muitos outros setores de atividade.

Por ação de redes criminosas e por conivência de agentes desportivos e clubes, muitos atletas, maioritariamente estrangeiros, sofrem com esquemas de recrutamento ilícito e exploração, destruindo o sonho de se tornarem futebolistas profissionais e deixando marcas para o resto da sua vida. Nunca será apenas uma questão de números, mas de dignidade e proteção dos direitos humanos.

Sendo públicas as críticas que dirigi à forma como, em Portugal, se diferenciam os meios de resposta a pessoas identificadas como vítimas de tráfico, face a outras vítimas de esquemas de auxílio à imigração ilegal e burla, no mesmo contexto laboral e desportivo, não posso deixar de salientar o trabalho inexcedível que as várias redes regionais, articuladas com a Polícia Judiciária, têm desenvolvido para apoiar e responder às solicitações dos atletas que nos chegam. Relembro, por exemplo, o trabalho da Rede Regional do Norte, na resposta aos jovens sinalizados no caso BSports. A luta contra o tráfico é, quase sempre, invisível. Exige educação, vigilância e capacidade de resposta, seja na vertente social seja no exercício da justiça.

No mercado futebolístico, o "caso Diarra" continuará a alimentar o debate sobre o que vai acontecer, agora que o artigo 17.º do Regulamento do Estatuto e Transferências de Jogadores da FIFA, entre outras disposições, é declaradamente ilegal. Haverá uma revisão da norma com efeitos a partir da próxima janela de transferências? O tempo dirá a velocidade das mudanças que serão inevitáveis.

A principal conquista desta decisão é que a FIFA não pode simplesmente verbalizar a intenção de alterar o regime ou promover audições com efeitos meramente consultivos aos jogadores e demais stakeholders. Normas que afetam direitos laborais não podem ser impostas, porque a FIFA não é um Estado. Têm de ser negociados e consentidas pelos vários intervenientes, preferencialmente por via da contratação coletiva.

Rescindir um contrato de trabalho unilateralmente e sem justa causa não deixará de ter um custo económico associado. No entanto, sanções desportivas que limitam a liberdade de contratar, na ótica do novo clube, ou de ser contratado, na ótica do jogador, deixam de ter cobertura legal. Curiosamente, esta proteção da liberdade de circulação foi devidamente salvaguardada, em Portugal, pela lei do contrato de trabalho desportivo atualmente em vigor. Ainda é cedo para compreender a solução possível no plano internacional.

Artigo de opinião publicado em: jornal Record (20 de outubro de 2024)

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