Clausewitz no Futebol I: A Tríade Paradoxal
“Depois, o jogo de futebol, tal como a guerra, é como um camaleão que, a todo o momento, modifica a sua aparência apresentando as formas variadas. Nesta perspectiva, por paradoxal que possa parecer, também no futebol o adversário raramente é um inimigo “puro” porque entre beligerantes existem tantos interesses em conflito como interesses em comum.”
O general prussiano Carl von Clausewitz (1780-1831) é considerado um dos grandes estrategas militares de todos os tempos. A sua vida até aos 35 anos foi passada em guarnições, em preparativos para a guerra e em campos de batalha. Por incrível que possa parecer, alistou-se no exército prussiano aos 12 anos e aos 13 anos entrou pela primeira vez em combate.
Em 1801 inscreveu-se na Academia de Berlim onde se formou com altas classificações. Em 1804 foi nomeado ajudante do príncipe Augusto da Prússia. Em 1812, serviu como coronel no exército russo e em 1813 organizou na Prússia Oriental uma milícia popular de 20 mil homens. Chefiou o estado-maior do 3.º corpo do exército prussiano, tendo contribuído para a derrota de Napoleão em Waterloo (1815). Como Clausewitz foi, simultaneamente, um homem de acção e de reflexão, em 1818, com 38 anos, foi nomeado director da Escola de Guerra de Berlim onde, nos últimos 13 anos de sua vida, escreveu a obra “Vom Kriege” – Da Guerra que reputamos de interesse fundamental para a compreensão do jogo.
As ideias básicas de Clausewitz, muito embora representem uma certa filosofia de confrontação directa, o que para o caso da analogia com o desporto até é conveniente, não deixam, também, de ser intemporais já que, em grande medida, têm a ver com o comportamento dos homens em ambientes de extraordinária hostilidade como são os da guerra e dos campos de batalha.
Clausewitz definiu a essência da guerra a partir de uma tríade composta por: (1.º) A violência e a paixão; (2.º) A sorte e a probabilidade influenciadas pela criatividade; (3.º) A política submetida apenas à razão.
São as componentes desta tríade a que Clausewitz designa por “tríade paradoxal” que dão forma ao campo de batalha porque determinam o jogo que é a arte da guerra. A violência e a paixão dizem respeito, principalmente, ao povo tal como hoje o futebol envolve de uma forma profundamente emocional os apaniguados que são o povo que se desloca aos estádios para acompanhar a equipa.
A sorte e a probabilidade estão corporizadas no comandante e no seu exército que hoje está simbolizado no treinador enquanto grande estratega que pela capacidade intuitiva é capaz de garantir a vitória. A razão subordina a guerra à política o que coloca os dirigentes do clube no fio da navalha na medida em que é neles que, pela inteligência das decisões, as vitórias e as derrotas começam a ser organizadas.
Depois, o jogo de futebol, tal como a guerra, é como um camaleão que, a todo o momento, modifica a sua aparência apresentando as formas variadas. Nesta perspectiva, por paradoxal que possa parecer, também no futebol o adversário raramente é um inimigo “puro” porque entre beligerantes existem tantos interesses em conflito como interesses em comum. Assim sendo, as inter-relações entre os elementos da “tríade paradoxal” são críticas na medida em que representam diferentes códigos que devem ser geridos com equilíbrio sob pena de uma relação arbitrária poder conflituar com a realidade e tornar-se completamente inútil, contraditória ou até mesmo perniciosa.
Se um dos elementos sai do equilíbrio, então, como adverte Clausewitz, a guerra tem tendência para entrar numa “espiral descontrolada”, quer dizer, numa dinâmica de terror, destruição e morte a que Frederich Nietzsche na “Competição em Homero” denominou de luta pré-homérica. E foi o que aconteceu na Primeira Guerra Mundial a partir do momento em que a componente violência e paixão se sobrepôs avassaladoramente ao elemento razão que devia manter a guerra subordinada à política.
Em consequência, a guerra descambou numa autêntica carnificina que, em matéria de futebol, hoje, com as devidas distâncias, podemos ver no Campeonato da I Liga cujo modelo de soma nula indicia uma luta pré-homérica em que todos, mutuamente, se vão destruindo. Repare-se que Clausewitz a fim de explicar a “natureza da guerra” até utilizava a metáfora desportiva. E dizia: “A guerra nada mais é que um duelo em grande escala. Se quisermos conceber como uma unidade o incontável número de duelos que perfazem uma guerra, fá-lo-emos mais facilmente imaginando dois lutadores. Cada um, procura, por meio da força física, compelir o outro a submeter-se à sua vontade: cada um luta para derrubar o adversário e assim o tornar incapaz de mais resistência.”
Deste modo o general associava à guerra uma visão científica que ele exigia que fosse valorizada pela experiência prática junto dos exemplos das duras condições do combate. E dizia: “Os grandes exemplos são os melhores mestres, mas é certamente uma tristeza se sobre eles surge uma nuvem de preconceitos teóricos…”.
Por isso, hoje, o jogo, tal qual a guerra era ao tempo de Clausewitz, é um acto de violência e de paixão em que através da sorte e da probabilidade influenciadas pela criatividade, para além do bem e do mal – para além do “fair play” – numa lógica em que a política se submete apenas à razão, se pretende obrigar o oponente a obedecer à nossa vontade. É esta a tríada paradoxal que deve orientar a arte do treinador. (a continuar)
Em 1801 inscreveu-se na Academia de Berlim onde se formou com altas classificações. Em 1804 foi nomeado ajudante do príncipe Augusto da Prússia. Em 1812, serviu como coronel no exército russo e em 1813 organizou na Prússia Oriental uma milícia popular de 20 mil homens. Chefiou o estado-maior do 3.º corpo do exército prussiano, tendo contribuído para a derrota de Napoleão em Waterloo (1815). Como Clausewitz foi, simultaneamente, um homem de acção e de reflexão, em 1818, com 38 anos, foi nomeado director da Escola de Guerra de Berlim onde, nos últimos 13 anos de sua vida, escreveu a obra “Vom Kriege” – Da Guerra que reputamos de interesse fundamental para a compreensão do jogo.
As ideias básicas de Clausewitz, muito embora representem uma certa filosofia de confrontação directa, o que para o caso da analogia com o desporto até é conveniente, não deixam, também, de ser intemporais já que, em grande medida, têm a ver com o comportamento dos homens em ambientes de extraordinária hostilidade como são os da guerra e dos campos de batalha.
Clausewitz definiu a essência da guerra a partir de uma tríade composta por: (1.º) A violência e a paixão; (2.º) A sorte e a probabilidade influenciadas pela criatividade; (3.º) A política submetida apenas à razão.
São as componentes desta tríade a que Clausewitz designa por “tríade paradoxal” que dão forma ao campo de batalha porque determinam o jogo que é a arte da guerra. A violência e a paixão dizem respeito, principalmente, ao povo tal como hoje o futebol envolve de uma forma profundamente emocional os apaniguados que são o povo que se desloca aos estádios para acompanhar a equipa.
A sorte e a probabilidade estão corporizadas no comandante e no seu exército que hoje está simbolizado no treinador enquanto grande estratega que pela capacidade intuitiva é capaz de garantir a vitória. A razão subordina a guerra à política o que coloca os dirigentes do clube no fio da navalha na medida em que é neles que, pela inteligência das decisões, as vitórias e as derrotas começam a ser organizadas.
Depois, o jogo de futebol, tal como a guerra, é como um camaleão que, a todo o momento, modifica a sua aparência apresentando as formas variadas. Nesta perspectiva, por paradoxal que possa parecer, também no futebol o adversário raramente é um inimigo “puro” porque entre beligerantes existem tantos interesses em conflito como interesses em comum. Assim sendo, as inter-relações entre os elementos da “tríade paradoxal” são críticas na medida em que representam diferentes códigos que devem ser geridos com equilíbrio sob pena de uma relação arbitrária poder conflituar com a realidade e tornar-se completamente inútil, contraditória ou até mesmo perniciosa.
Se um dos elementos sai do equilíbrio, então, como adverte Clausewitz, a guerra tem tendência para entrar numa “espiral descontrolada”, quer dizer, numa dinâmica de terror, destruição e morte a que Frederich Nietzsche na “Competição em Homero” denominou de luta pré-homérica. E foi o que aconteceu na Primeira Guerra Mundial a partir do momento em que a componente violência e paixão se sobrepôs avassaladoramente ao elemento razão que devia manter a guerra subordinada à política.
Em consequência, a guerra descambou numa autêntica carnificina que, em matéria de futebol, hoje, com as devidas distâncias, podemos ver no Campeonato da I Liga cujo modelo de soma nula indicia uma luta pré-homérica em que todos, mutuamente, se vão destruindo. Repare-se que Clausewitz a fim de explicar a “natureza da guerra” até utilizava a metáfora desportiva. E dizia: “A guerra nada mais é que um duelo em grande escala. Se quisermos conceber como uma unidade o incontável número de duelos que perfazem uma guerra, fá-lo-emos mais facilmente imaginando dois lutadores. Cada um, procura, por meio da força física, compelir o outro a submeter-se à sua vontade: cada um luta para derrubar o adversário e assim o tornar incapaz de mais resistência.”
Deste modo o general associava à guerra uma visão científica que ele exigia que fosse valorizada pela experiência prática junto dos exemplos das duras condições do combate. E dizia: “Os grandes exemplos são os melhores mestres, mas é certamente uma tristeza se sobre eles surge uma nuvem de preconceitos teóricos…”.
Por isso, hoje, o jogo, tal qual a guerra era ao tempo de Clausewitz, é um acto de violência e de paixão em que através da sorte e da probabilidade influenciadas pela criatividade, para além do bem e do mal – para além do “fair play” – numa lógica em que a política se submete apenas à razão, se pretende obrigar o oponente a obedecer à nossa vontade. É esta a tríada paradoxal que deve orientar a arte do treinador. (a continuar)