É preferível o treinador ser amado ou temido?


“O treinador, na sua arte, entre o temor e o amor, tem de saber gerir a distância entre ele próprio e a equipa que lidera. Não é fácil.”

Na sua obra mais famosa “O Príncipe”, Nicolau Maquiavel (1469-1527) fez a seguinte pergunta: “É preferível um líder ser amado ou temido?” Podemos desde já adiantar que Maquiavel chegou à seguinte conclusão: “É importante ser amado e temido, porém, é melhor ser temido que amado.” Maquiavel explica que o amor é um sentimento volúvel e inconstante, na medida em que as pessoas são naturalmente egoístas e frequentemente podem mudar a sua lealdade. Em contrapartida, o medo da punição é um sentimento que não pode ser modificado ou ignorado tão facilmente, pelo que, de uma maneira geral, as pessoas tendem a respeitar aqueles que temem.

A pergunta de Maquiavel, muito provavelmente, é frequentemente colocada pelos mais diversos treinadores por esse mundo fora que têm de dirigir equipas onde, quer do ponto de vista interno quer do ponto de vista externo, se disputam os mais diversos interesses.

Por isso, o treinador, na sua arte, entre o temor e o amor, tem de saber gerir a distância entre ele próprio e a equipa que lidera. Não é fácil.

No jogo que é o campeonato, de uma maneira geral, as coisas acontecem de modo diferente do previsto e apresentam um aspeto diverso daquele que tinham à partida. Se um engenheiro pode, calmamente, acompanhar a progressão da sua obra, pelo contrário, o treinador encontra-se constantemente no centro de um eterno redemo­inho de:

Informações falsas e verdadeiras e de uma comuni­cação social sem piedade;

Erros cometidos devido ao medo, à negligência, ou à precipitação de dirigentes incultos e ignorantes;

Hipotéticas ou reais violações da sua autoridade, por motivos quer errados, quer certos, por parte dos jogadores;

Sentimentos de dever mal compreendidos no calor da refrega;

Indolência e provocações dos adversários mais atrevidos;

Exaustão e desânimo nos momentos da derrota azarada;

Irritação pelos acasos da bola que nenhum mortal poderá alguma vez prever.

Em conformidade, o treinador é vítima de “100 mil pressões”, das quais:

Unas têm uma tendência intimidante que o levam a criar distância relativamente à equipa;

Outras têm uma tendência encorajante que o levam a aproximar-se da equipa.

E o treinador tem de aguentar tal como uma rocha aguenta o bater das vagas. Só com experiência, coragem e estabilidade de caráter ele adquire a competência necessária para gerir todo o tipo de incidentes quer sejam de sinal positivo quer nega­tivo. Contudo, se a sua competência se estrutura na experiência de todos os dias, ela só se fortalece no conhecimento estruturado da reflexão teórica que a deve fundamentar.

Assim sendo:

1. O treinador é temido quando coloca os jogadores perante a obrigatoriedade do esforço ex­traordinário, do sofrimento, das privações, do medo da derrota e do horror da morte certa enquanto atletas que, no desespero da situação sem fugas, obrigam a equipa a lutar em busca da excelência sobre a qual deve organizar a vitória desejada.

2. O treinador é amado quando, pela sua imensa força de vontade que se manifesta na persever­ança, através de decisões intuitivas, espontâneas e comungadas, na intimidade afetiva do grupo e no ambiente de reflexão litúrgica que deve ser o balneário, é capaz de construir as soluções técnicas, táticas e estratégicas que conduzirão a equipa à vitória desejada.

Assim sendo, para além de Maquiavel, é na gestão par­cimoniosa entre o temor e o amor que o treinador tem de sustentar a sua liderança no respeito pelo amor-próprio e o dos próprios jogadores.

Ele tem de, intuitivamente, saber gerir a distância das suas relações com os jogadores. Se estiver muito próximo acaba por se tornar vulgar, se esti­ver muito longe perde o contacto com a dimensão humana da equipa. Ele tem de ser amado porque está próximo mas tem também de ser temido porque está longe. Só assim ele será respeitado.