O génio do treinador


O jogo de futebol é um ato de confronto entre duas equipas. Só existe jogo se o confronto se consumar na disputa pelo resultado que determina a própria sobrevivência da equipa. Nesta conformidade, a competição desportiva cumpre o princípio básico da dialética de confronto que determina a lógica do pensamento estratégico. Este, enquanto ato de reflexão criativa num ambiente agónico que questiona a própria sobrevivência da equipa, projeta-se para além do planeamento estratégico que se limita a estabelecer o processo metodológico que visa atingir determinados objetivos mais ou menos integrados.

Através do planeamento estratégico o treinador prevê, programa, organiza, executa e controla, todas as decisões relativas à condução do treino. Assim sendo, qualquer manual do tipo do “Dossier do Treinador de Futebol” - um livro de José Carvalho e Paulo Correia com prefácio de Manuel Sérgio e editado pela Prime Books - coloca o treinador perante um conjunto de variáveis que deve considerar a fim de organizar a vitória. Mas, ao treinador não lhe chega ser conhecedor das questões burocráticas mais ou menos estandardizadas relativas ao planeamento estratégico. Ao treinador, para além dos procedimentos próprios do planeamento estratégico, compete-lhe pensar estrategicamente o jogo a fim de surpreender a equipa adversária. Quer dizer, o pensamento estratégico da condução do jogo antecede o planeamento estratégico da condução do treino. Porque, se o planeamento estratégico parte de constantes sobre as quais o treinador idealiza uma série de acontecimentos desejáveis que, depois, procura fazer acontecer, já o pensamento estratégico, na sua complexidade, depende da capacidade intuitiva do treinador que lhe permite ganhar verdadeira vantagem competitiva sobre o adversário.

Em conformidade, diremos que, sendo necessário que os treinadores dominem toda a teoria prescritiva que decorre dos manuais, todavia, o domínio dessa teoria não é suficiente para ganhar o jogo. Porque, num ambiente competitivo de todos contra todos, qualquer manual prescritivo conduz os adversários às mesmas ou a soluções muito parecidas. Nestas circunstâncias, o vencedor será aquele que for capaz de surpreender o adversário pela criatividade do pensamento estratégico. Quer dizer, para além de qualquer dossier e da sorte determinada pelos favores dos deuses, ainda fica uma grande margem de manobra para a ação criativa e inovadora do treinador no sentido de surpreender o adversário. E esta margem de manobra será tanto mais importante quanto maior for a capacidade do treinador, para além dos mecanismos de coordenação e conjugação do trabalho, pensar estrategicamente o jogo.

Este virtuosismo do treinador decorre da sua capacidade intuitiva, isto é, da maneira como utiliza e conjuga a razão do planeamento estratégico com a emoção do pensamento estratégico porque, nas circunstâncias do jogo que é o campeonato, a emoção é um dispositivo fundamental da razão. Quando esta qualidade está presente em grau excecional e é demonstrada por meio de resultados extraordinários, o termo génio é aplicado para descrever a personalidade do treinador. Assim sendo, no quadro económico, político e social do futebol moderno ao treinador já não lhe chegar ser simplesmente bom. Ele tem de ser excelente, ele tem de ser um génio, um génio do futebol.