Construir o Inimigo: Para uma Teoria do Conflito


A pergunta é simples: Porque é que Jorge Nuno Pinto da Costa é o grande vencedor do futebol nacional dos últimos trinta anos? A resposta também é simples, embora complexa.

Quando a 17 de abril de 1982, Pinto da Costa foi eleito presidente do FC Porto o clube não passava de uma instituição cujo pensamento estratégico não ia além do local circunscrito à cidade do Porto e pouco mais. O clube tinha tão só uma dimensão provinciana bem caracterizada no filme o “Leão da Estrela” em que o ator António Silva no papel do finório pelintra de Lisboa vai ao Porto embarretar o simplório endinheirado que, à conta do futebol e do amor pelo clube, se deixava levar. Ao tempo, quem ganhava os campeonatos eram os clubes do regime que tinham por sua conta os jornais e um apito que, embora não sendo dourado, mesmo assim, apitava muito bem. Pinto da Costa alterou a situação e conseguiu desviar o fulcro da dinâmica do futebol nacional de Lisboa para o Porto. Como? Construindo um inimigo.

Como decorre de Umberto Eco, para se manterem os apaniguados mobilizados, sob controlo, prontos a reagirem mais emotivamente do que racionalmente é necessário arranjar-lhes um inimigo e pintá-lo das cores mais tenebrosas. Ora, o inimigo só podia estar em Lisboa protagonizado pelos dois grandes clubes que ganhavam sistematicamente o campeonato. Da época de 1950/51 à época de 1983/84 o FC Porto ganhou quatro campeonatos. Os outros trinta foram ganhos pelo Sporting e o Benfica. Perante estes números Pinto da Costa percebeu que a sua liderança tinha de ser afirmada pela vontade e capacidade de declarar um inimigo. E tinha razão porque, nos 28 anos seguintes, de 1984/85 a 2011/12 o FC Porto ganhou 17 campeonatos.

E o processo utilizado foi tão só o mesmo que, havia muitos anos, era utilizado pelos poderes clubísticos de Lisboa que, na aceção de Clausewitz, defendiam que “assim que a guerra é declarada, os objetivos militares substituem os fins políticos”. Quer dizer que, para além de tudo, o que interessava era ganhar. A partir de então, para o FC Porto, os objetivos desportivos que determinavam as vitórias nos campeonatos passaram a ocupar o primeiro lugar nas preocupações do clube.

Pinto da Costa não fez mais do que auto determinar o “jus belli”, quer dizer, o direito à guerra, uma guerra justa porque decorria da vontade de justiça, pela humilhação de 30 anos de derrotas do clube. E o clube transformou-se numa máquina de ganhar campeonatos.

Pinto da Costa tinha duas opções: uma que privilegiava a noção de “guerra absoluta”, a batalha de aniquilamento, decisiva e o sangue como preço da vitória; outra, política, em que a guerra é uma realidade limitada, o combate é controlado porque a estratégia está ao serviço da política, sendo a prudência o ingrediente essencial da arte da guerra. Pinto da Costa, numa primeira fase, adotou claramente a primeira perspetiva a fim de alterar radicalmente as leis do jogo determinadas pelo poder profundo dos clubes de Lisboa. Ele tinha de jogar segundo as leis de Lisboa. E quais eram essas leis? Eram, simplesmente, não haver leis nenhumas. E Pinto da Costa pagou com “sangue” o preço da vitória. Contudo, paulatinamente, com o decorrer do tempo, Pinto da Costa foi adotando uma outra estratégia mais condizente com a segunda perspetiva, de maior contenção, de subordinação às leis do social e politicamente correto, porque as razões do combate total também se foram alterando. Os resultados são conhecidos.
Agora, o problema é que as pessoas não são eternas e não está à vista quem possa substituir o grande líder desportivo que é Jorge Nuno Pinto da Costa.