O Facebook e a liberdade de expressão dos jogadores


A liberdade de expressão e de divulgação do pensamento e opinião constitui um dos pilares da democracia, constitui um direito fundamental consagrado, a justo título, no art. 37.º da nossa Constituição e constitui hoje, inclusive, um direito expressamente reconhecido aos trabalhadores no art. 14.º do Código do Trabalho.

Ora, nos dias que correm, a liberdade de expressão exerce-se, em grande e sempre crescente medida, através das redes sociais. As redes sociais transformaram a maneira como as pessoas – todas as pessoas, sejam ou não trabalhadores, sejam ou não atletas – comunicam entre si, como se exprimem, como manifestam a sua opinião, como vivem.

E é inegável, hoje como ontem, que a liberdade de expressão pressupõe o direito de crítica, este constitui uma irrecusável dimensão daquela. Ao abrigo da liberdade de expressão, o trabalhador pode, sem dúvida, criticar a sua entidade empregadora.

O trabalhador é um ser livre, que se relaciona com a entidade empregadora através de um negócio jurídico de direito privado, o contrato de trabalho. O trabalhador não é um servo ou um vassalo, ligado por laços de tipo feudal ao seu patrão.

É claro que a liberdade de expressão do trabalhador tem de se articular com os deveres de subordinação, respeito e urbanidade do trabalhador para com a entidade empregadora, deveres estes que estão no âmago do contrato de trabalho.

Estes direitos e deveres entrecruzam-se e limitam-se reciprocamente, pelo que a liberdade de expressão (e o inerente direito de crítica) não autoriza o trabalhador a insultar, caluniar, difamar, ofender ou lesar a honra e o bom nome da entidade empregadora.

Liberdade de expressão e direito de crítica, de um lado, dever de respeito e urbanidade, do outro, têm de coexistir em qualquer relação de trabalho. Isto implica que, na prática, perante um concreto litígio, se tenha de proceder a uma ponderação casuística dos diversos valores em presença e em eventual rota de colisão – um balanceamento de bens complexo, sem dúvida, mas indispensável para a correta resolução do litígio.

No caso que recentemente veio a lume, envolvendo declarações de jogadores profissionais de futebol do SCP, divulgadas através de uma rede social, o juízo do intérprete não envolve, porém, qualquer dúvida ou dificuldade.

Com efeito, os atletas limitaram-se a reagir, em termos extremamente comedidos, ponderados e moderados, a declarações críticas bastante contundentes publicadas, na mesma rede social, pelo Presidente do SCP.

Os atletas limitaram-se a exprimir publicamente o seu desagrado ou desconforto pelas críticas públicas de que foram alvo, sem jamais desrespeitarem a sua entidade empregadora. Ora, a liberdade de expressão é um direito de que também os atletas profissionais gozam, como resulta com meridiana clareza do art. 12.º da Lei n.º 54/2017, que estabelece o regime jurídico do contrato de trabalho do praticante desportivo.

Não vivemos, de facto, numa qualquer República das Bananas. Vivemos em democracia, pautados por leis a que todos devem obediência, inclusive aqueles que atuam no seio do futebol profissional.

Ameaçar os atletas que exercem um direito tão básico e fundamental como é o da liberdade de expressão com medidas como a suspensão preventiva e a instauração de um procedimento disciplinar constitui, isso sim, um despautério.

Parece que o bom senso terá imperado e que o SCP arrepiou caminho. Fez bem, porque, creio, qualquer sanção disciplinar que viesse a ser aplicada aos jogadores neste contexto traduzir-se-ia numa sanção disciplinar abusiva, cujos efeitos reverteriam, decerto, contra o próprio SCP.

Eis a lição a retirar deste a vários títulos lamentável episódio: antes de serem “ativos” e trabalhadores do clube, os atletas são pessoas e cidadãos; e, se forem destratados enquanto pessoas e cidadãos, os atletas poderão, inclusive, deixar de ser “ativos” dos clubes…