Covid-19 e futebol profissional: jogadores em lay-off?


Segundo relata a comunicação social, pelo menos dois clubes do nosso futebol profissional – o Belenenses e o Chaves – terão já recorrido ao chamado “lay-off simplificado”, em ordem a reduzirem substancialmente as despesas com os salários dos seus jogadores nestes tempos de crise pandémica e de paralisação das competições, fazendo a segurança social suportar ainda uma fatia desses salários, a título de compensação retributiva, e lançando assim mão de uma figura que os próprios clubes assumem que determina a suspensão dos contratos de trabalho desportivo dos respetivos jogadores.

É discutível se os clubes preenchem os requisitos legais para recorrerem ao lay-off. Mas não vou discutir aqui esse ponto. Antes e acima disso, parece-me que o recurso a esta figura por parte dos clubes de futebol, na presente conjuntura, surge como uma autêntica bizarria. Sim, as competições estão temporariamente suspensas, mas isso, obviamente, não implica que os contratos de trabalho dos jogadores fiquem, também eles, suspensos. Os jogadores não estão a jogar, mas estão a treinar, estão, decerto, a ser acompanhados, monitorizados, instruídos e vigiados, dentro do possível, pelos clubes. Ora, se os contratos ficarem suspensos, em virtude do lay-off unilateralmente promovido pelos clubes, isso implica, nos termos da lei, que ficam também suspensos os deveres dos jogadores para com os clubes, aqueles deveres ligados à efetiva prestação de atividade desportiva. Os jogadores ficarão, assim, subtraídos ao poder de direção, vigilância e fiscalização da sua entidade empregadora, o que significa que ficam dispensados da obrigação de treinar, de seguir os programas de preparação física, técnica e psicológica, ministrados pelo clube, de acatar as instruções do clube sobre a forma como se devem comportar durante o período de suspensão, etc.

O contrato de trabalho suspenso fica, como por vezes se diz, em estado de “hibernação jurídica”. É isto que os clubes pretendem com o recurso ao lay-off? Querem colocar os jogadores em hibernação? Admitem deixar, transitoriamente, de ter poder diretivo e de fiscalização e vigilância sobre os seus atletas? Visam libertar os atletas da obrigação de treinar e de lhes obedecer quanto ao modo como devem conduzir a sua preparação física, neste período de recolhimento? Não creio. Creio que os clubes só estão a ver metade do lay-off, aquele segmento que lhes agrada, de deixarem de pagar boa parte do salário aos jogadores. Mas há o outro lado da moeda da suspensão, pois se esta reduz as despesas para o clube-empregador, também liberta o jogador-trabalhador de muitas das suas obrigações para com o seu clube, máxime as respeitantes ao treino e à obediência às ordens da entidade empregadora desportiva.

O que os clubes querem, aliás compreensivelmente, é outra coisa: é reduzir despesas, nesta fase difícil que todos atravessamos, mas manter os atletas, tanto quanto possível, em forma, de modo a permitir um rápido retorno à competição, assim que o vírus o permita. Para isso, não faz qualquer sentido lançarem mão de uma figura, como a suspensão do contrato, que priva os clubes do seu poder diretivo sobre os jogadores e que dispensa estes de treinarem. Para isso, o que é imperioso é dialogar, os clubes com os jogadores, a liga com o sindicato, em ordem a tentar encontrar um compromisso razoável, que satisfaça todas as partes envolvidas. Mas esse diálogo deve ocorrer com os contratos a vigorar plenamente, com os jogadores a tentarem manter a forma física e mental em patamares elevados, submetidos ao dever de se preparem diariamente segundo as instruções ministradas pelo clube e tendo este o poder de fiscalizar o cumprimento dessas instruções – coisa que, repete-se, não acontece, por definição, se o contrato de trabalho desportivo ficar suspenso.

Repito: o lay-off suspende o contrato, não se limita a reduzir o salário pago aos jogadores. Há que ter a noção exata da extensão dos efeitos da figura em causa, da “hibernação jurídica” que ela implica. Os clubes simplesmente não podem suspender os contratos dos seus jogadores nestas circunstâncias, porque vão precisar de os manter a trabalhar e a treinar, preparando-os para que, quando a competição retomar o seu curso, daqui a dois ou três meses, eles estejam em condições de lutar pela almejada vitória. É, afinal, a tão decantada especificidade do desporto a fazer-se sentir, impedindo que, nesta sede, se utilizem instrumentos pensados para outras indústrias, outras empresas e outros trabalhadores…