Para quando responsabilizar o sucessor?


A competição desportiva pressupõe igualdade e segurança para os competidores. Um dos fatores criadores de maior instabilidade para os atletas, credores de um determinado clube ou sociedade desportiva, é o recurso da sua (ex)empregadora a um PER ou SIREVE, para diferir no tempo o cumprimento das obrigações, ou a um processo de insolvência quando a recuperação financeira se afigura impossível.

Frequentemente, no lugar da pessoa coletiva insolvente, ou mesmo liquidada, emerge um clube ou sociedade desportiva novo, com designação semelhante e parte significativa do espólio existente, desde o estádio que utiliza às instalações ou equipamentos. A competição reajusta-se, abre espaço para o novo competidor, ficando a sensação de impunidade face à gestão danosa que determinou a queda do clube anterior.

Sem prejuízo da necessidade de introdução de medidas de controlo, rigor e transparência na organização do futebol, capazes de defender a integridade competitiva, é talvez pelo sentimento de impunidade e descrédito associado ao ressurgimento na competição de um “sucessor legal”, que a jurisprudência internacional começa a dar sinais de aproximação a um modelo de responsabilização da nova entidade pelos danos causados pela anterior, entretanto extinta, nomeadamente quanto ao pagamento das dívidas aos jogadores e demais agentes desportivos credores.

O CAS (Court of Arbitration for Sport) decidiu em 2016 pela confirmação de uma decisão da Câmara de Resolução de Litígios da FIFA, relativamente às dívidas de um clube húngaro que reemergiu na mesma competição, após processo judicial de liquidação, expurgado das suas obrigações. Embora o novo clube invocasse não ser um sucessor legal, o tribunal arbitral concluiu em sentido contrário, confirmando a sua condenação pela dívida gerada pelo clube anterior, não com base nos princípios de direito civil e comercial mencionados pelo devedor, mas antes com base na regulamentação da FIFA e, em concreto, na identidade que define um clube de futebol enquanto entidade participante na competição desportiva, designadamente perante os seus sócios e apoiantes.

No caso concreto, a identidade entre os dois clubes era tão forte que a própria designação, logótipo, morada da sede social e alguns dos representantes legais se mantinham. Existe, claramente, um vazio de soluções para combater este fenómeno.

Exige-se um regime justo e equilibrado, que não afete a liberdade de associação para além do necessário a dissuadir práticas relacionadas com a dissipação de património e gestão ruinosa dos ativos financeiros de um clube ou sociedade desportiva, para fugir às obrigações assumidas e emergir, mais tarde, com uma “nova cara”. Para quando um quadro legal e regulamentar que responsabilize o sucessor?