Os golos que ainda vou marcar

A decisão mais difícil de tomar, quando se arruma as chuteiras a um canto, é perceber o que se vai fazer a seguir. Porque a vida não pára, porque existe uma família, porque sentimos o impulso de continuar ligado ao futebol, retribuindo com a nossa acção, todas as mordomias a que tivemos acesso, pelo facto da distribuição do talento nos ter tocado de forma mais generosa.
Quando terminei a minha carreira profissional de jogador ainda não me sentia mentalmente preparado para iniciar uma nova carreira. Ainda hoje não sinto nenhum apelo especial, nenhum fascínio por alguma hipótese de me profissionalizar em alguma área do futebol.
Sinto, mais uma vez, na minha vida que sou encaminhado para os acontecimentos em vez de os procurar. Sou comentador televisivo porque fui convidado para o ser. Não terminei a minha carreira a pensar que gostaria de ser comentador. Terminei a minha carreira a pensar que gostaria de ser útil ao futebol, especialmente aos jogadores. E gostaria de pensar em mim próprio como um exemplo para os mais jovens, que procuram nos ex-jogadores um aconselhamento para as suas carreiras e que estabelecem, nessa observação, um princípio de paternidade moral.
Sinto-me um pouco um activista dos direitos dos jogadores. Pela vida das pessoas há sempre um rio que passa e que leva as nossas experiências a desaguarem em novos desafios. Enquanto fui jogador profissional, deixei-me levar sempre pelas correntes, desconhecendo, por vezes, que há correntes perigosas e traiçoeiras.
Um dia li uma frase escrita por Jorge Valdano, grande pensador e que gosta de transformar o futebol em ideias. “O futebol pode ser injusto para as suas crias”. Essas injustiças acontecem todos os dias, passei por algumas bem difíceis de esquecer, e por isso, torna-se cada vez mais necessário que os jogadores sintam a sua força no modo como controlam as suas vidas, as suas carreiras e os seus destinos.
Como vice-presidente do Sindicato, sinto que esse activismo que nasce todos os dias em mim, desafiando-me a defender os direitos dos jogadores e a reconhecer os seus deveres, me está a levar para uma parte ainda incerta da minha vida, mas onde a lealdade, a competência e o humanismo das pessoas com quem trabalho no Sindicato, são o factor decisivo para eu sentir o desejo de continuar.
Não pretendo ser o menino de ouro do sindicalismo, nem quero que me reconheçam no futuro como o verdadeiro artista do activismo no futebol. Serei sempre o João Vieira Pinto, uma pessoa íntegra, que acredita no valor humano e nos princípios correctos de vida.
Durante a minha carreira de jogador profissional marquei imensos golos, uns bonitos, outros inesquecíveis. Os que ainda pretendo marcar, no futuro, serão, talvez, os mais lindos da minha carreira. Agora, como vice-presidente do Sindicato de Jogadores Profissionais de Futebol.