“Uma nova visão do treino para uma melhor qualidade do jogo”
O Futebol converte-se por vezes numa magia inigualável. Em 90 minutos é possível condensar várias histórias e reproduzir muitas das graças e desgraças da vida. Daí um dos seus principais encantos - uma magnífica construção cultural – uma obra de arte cuja magnitude social muitos intelectuais ainda não entenderam.
“Nascemos com uma bola de futebol nos pés”, habituamo-nos a jogá-lo na rua, diríamos até que de certa forma aprendemos a socializar através deste desporto.
Os jornais, as revistas, as televisões, as conversas de café. Sobre este fenómeno, todos têm opinião, todos gostam de a expressar. É um desporto de raízes populares, que não distingue religiões, raças, poder económico.
Por se tratar de um fenómeno global, é também alvo de muita investigação científica.
Os estudos relacionados com este desporto têm-se multiplicado, a inter-relação cada vez mais presente entre a Ciência e o Desporto contribuiu decisivamente para avanços significativos, particularmente no Futebol, para uma certa desmistificação da complexidade do fenómeno nas suas diferentes vertentes.
O contributo de ciências como a Fisiologia, a Metodologia de Treino, a Estatística, a Biomecânica, a Psicologia, a Nutrição, etc, conduziram este Desporto para um patamar superior de exigência e complexidade.
Contudo, e apesar da evolução significativa neste Desporto, o jogo de futebol será sempre “caos”. Serão sempre 22 indivíduos, cada um dos quais com características muito próprias, com a sua individualidade, a decidir em cada momento qual a acção a tomar mediante contextos sempre dinâmicos e complexos.
Por muito que a táctica funcione como “identidade” colectiva de uma equipa e contribua para que 11 jogadores actuem de acordo com princípios e subprincípios de jogo sistematizados com o treino, muitos são os factores incontroláveis num jogo de futebol e que garantirão sempre a imprevisibilidade no resultado.
Hoje é possível, através da análise estatística e também dos avanços tecnológicos, identificar e quantificar diferentes parâmetros. É possível, através da análise de adversários, identificar padrões e construir estratégias para tirar partido das suas debilidades. No fundo é possível reduzir parte da imprevisibilidade do jogo.
Mas a cada momento são os jogadores a tomar as decisões, são os jogadores a dar vida ao jogo e a dar-lhe um rumo. No jogo, em cada tomada de decisão, factores como a auto-confiança, a ansiedade, a motivação, o espírito de equipa, etc, têm um peso significativo e acabam por influenciar, muitas vezes, de forma decisiva o resultado final de uma partida, de um campeonato. Logo, estes factores terão de ser encarados como factores-chave e alvo de atenção para que a imprevisibilidade do jogo possa ser ainda mais reduzida e o rendimento do jogador e da equipa possa ser optimizado.
Eis que surge uma questão. Se a auto-confiança, a ansiedade, a motivação, etc, têm um peso significativo no jogo, serão estes factores treináveis?
É óbvio que sim. Da mesma forma que o treinador atribui grande importância ao treino dos factores técnicos-táticos, físicos, etc, o treino da componente comportamental é fundamental e acabará por ter um peso significativo no alcançar dos objectivos de cada equipa.
O uso da competência para liderar um grupo de jogadores, para garantir um balneário motivado, auto-confiante, unido e com os olhos postos nos objectivos a conseguir, faz a diferença da qualidade dos treinadores como líderes operacionais para a obtenção do sucesso.
Muitas são as técnicas, os instrumentos para garantir uma competente gestão dos recursos humanos, de um balneário, de uma equipa.
Por outro lado o discurso verbal e não-verbal do treinador deve incidir como “factor de motivação e auto-confiança”. Os grandes líderes conseguem espelhar nas suas equipas de trabalho, a sua auto-confiança e motivação. Pautam-se por uma comunicação verbal e não-verbal positiva, arrebatadora, convicta. A colocação da voz, os gestos, o olhar direto, a postura do corpo, são pormenores que no seu conjunto podem ter uma influência decisiva na auto-confiança e motivação de uma equipa.
No treino, o líder deve criar contextos desafiadores mas que proporcionem sucesso. Os exercícios devem estar de acordo com os objectivos pretendidos, mas os mesmos devem ser criados para que o jogador obtenha sucesso, reforce a sua auto-confiança, sinta que é capaz. O feedback durante as sessões de treino deve ser de exigência mas também sempre num tom positivo. O jogador deve sentir que as suas acções, sempre que bem-sucedidas, são valorizadas pelo líder, deve sentir o seu esforço recompensado com uma palavra de estímulo, de elogio mas também com palavras de exigência e que apelem à auto-superação.
Também o treino deve reproduzir, de alguma forma, as condições adversas que são esperadas na competição. Preparar mentalmente os jogadores para as dificuldades que irão encontrar, mas também guiando-os para obterem as respostas adequadas para as superar.
A visualização de imagens tais como os momentos de glória e de união do grupo, as acções plenas de sucesso de cada jogador, da equipa, devem funcionar como estímulo para a união, para a auto-confiança, para a motivação.
A utilização de técnicas de relaxamento, adequadas às especificidades de cada elemento de uma equipa, para eliminar o stress competitivo é fundamental, assim como a visualização mental de sucesso, de imagens positivas, como forma de aliviar o stress e focar cada jogador nos objectivos a alcançar.
No fundo estas são algumas técnicas/instrumentos que podem e devem ser utilizadas para guiar uma equipa ao sucesso.
Mas parece que muita gente ainda aparece a negligenciar o conhecimento nesta área específica e a menosprezar o peso que a inteligência emocional tem no Futebol.
Nos dias de hoje, o conhecimento está à distância de um simples clique. As publicações acerca do treino são imensas e qualquer um têm acesso às metodologias de treino utilizadas pelos treinadores mais consagrados, o que tem permitido “atenuar” significativamente as diferenças de metodologias de trabalho aplicadas nos clubes de diferentes dimensões.
Contudo, esse conhecimento teórico, por si só, não chega, não é sinónimo de sucesso.
Muitos são os casos de treinadores que apresentam um elevado conhecimento teórico sobre o treino mas que não conseguem traduzir esse conhecimento em sucesso, quando o têm que aplicar na prática… cabe aqui a bem justificada expressão do “nosso” Professor e distinto colaborador Manuel Sérgio: Quem só teoriza, pensa…quem só pratica, repete!... Daí o apelo para o significado da valência cultural, numa aliança do saber com a vida!...