Teoria, crítica e desporto


Para Theodor Adorno, nome grande da Teoria Crítica, a ausência de teoria e de reflexão é uma das características mais visíveis do nosso tempo e, por isso, do desporto. Para ele, "a formação cultural e desportiva converte-se agora numa semi-formação sociali­zada, na omnipresença do espírito alienado" (Educação e Emancipação, Paz e Terra, p. 389). Esta pseudo-formação decorre de um tempo que parece alfabetizar, mas... para que prevaleça o status quo! Um neo-liberalismo explorador, um sexualismo sem freios, uma violência omnipresente – parecem ser, hoje, coisas absolutamente normais. Ora, alfabetizar é consciencializar.

No próprio Direito do Desporto, cada uma das modalida­des desportivas devem entender-se, antes do mais, como cultura, como crítica radical ao que de incoerente e retrógrado apresenta a organização desportiva. As aulas, nos cursos universitários de desporto e nos cursos de treinadores, não podem resultar em mera "educação bancária" (Paulo Freire), mas em trabalho onde há prática e teoria, socialmente transformadoras; não podem ser apenas um processo biológico, mas também processo libertador. O desporto, a dança, a ergonomia, a reabilitação hão-de ser uma provocação, visando o esclarecimento do mundo que nos rodeia.

Hão-de ser, sobre o mais, consciencialização, decisão e compromisso. O futebol, por exemplo, ao alfabetizar corporalmente deve também transformar-se em crítica do mundo envol­vente e antevisão crítica do mundo a construir.

Pelo desporto (pelo futebol), o praticante, o técnico, o dirigente e o próprio espectador deverão sentir que se humanizam, num processo histórico de produção do homem pelo homem. A própria arquitectura jurídica do desporto deverá exprimir-se na comba­tividade do inconformado, diante da exploração, da opressão, da cobardia, da inércia, do absentismo.

Relembro aqui o que encontrei em Habermas, no seu livro Pensamento Pós-Metafísico: "a racionalidade não tem tanto a ver com a posse do saber, mas com o modo como os sujeitos, capazes de falar e de agir, empregam esse mesmo saber" (p.69). De que vale saber Anátomo-Fisiologia, Bioquímica, Psicologia, Sociologia, Di­reito, etc., etc., se a teoria não é esclarecimento e emancipação? Se o desporto não é educação problematizadora e transformadora? Não há desporto verdadeiro que não deva transformar-se em práxis, ou seja, teoria e prática, em acção empenhada! Em­bora o desporto, o mais publicitado e propagandeado, como o futebol, seja, muitas vezes, o que sabemos: um pretexto para abafar o pensamento crítico! Mesmo quando aplaudido por alguns políticos que se dizem progressistas, socialistas, ex-comunistas e ex-revolucionários.

Sou um apaixonado pelo espetáculo desportivo. Mas não é verdade que nos dizem que o desporto é tão-só uma atividade física? Ora, se é físico tão-só, não nos admiremos de nele correrem e saltarem verdadeiras bestas esplêndidas, incapazes de perceberem que o desporto mais publicitado e propagandeado pode adormecer as pessoas à recu­sa da sociedade injusta estabelecida.

A Teoria Crítica sublinha que a análise teórica da sociedade não deve permanecer puramente descritiva e contemplativa, longe dos pro­blemas concretos das pessoas, ou do “mundo da vida”, usando as palavras de Husserl, o pai da fenomenologia.

Também do desporto hão-de emergir outros fins, outros valo­res, além de uma competição e de um economicismo sem freios. O desporto (designa­damente o futebol) é o fenómeno cultural de maior magia no mundo contemporâneo. Oxalá ele se transforme em contra-poder (ou na “grande recusa”, como diria Marcuse, outro nome fundador da Teoria Crítica) ao poder dos vícios dominantes.

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