A Ascensão da Insignificância


O livro “A Ascensão da Insignificância”, de Cornelius Castoriadis, traduzido para português pela Editorial Bizâncio, parece-me de grande actualidade. “Qual o exemplo que as sociedades do capitalismo liberal fornecem ao resto do mundo?

O único valor que existe nelas é o dinheiro, a notoriedade mediática ou o poder, no sentido mais vulgar e irrisório do termo” (p. 70).

A sociedade não degenerou, por isso, biologicamente, a tecnociência progride diariamente e, diariamente também, a medicina rasga novos horizontes – a sociedade degenerou, sim, ética e culturalmente, quando é de bom-tom entoar ladainhas ao conformismo diante do consumo, do deus-dinheiro, de um capitalismo demencial, da crise de sentido e significação.

"O desporto de alta competição reproduz e multiplica as taras da sociedade capitalista"

Não, não recebo o termo “actual”, com grande carga afetiva, dando-lhe um significado de mau, de falso, de execrável. Digamos antes que nunca, como hoje, uma crise económica e social e política se tornou tão visível (até nas próprias religiões). Não é por acaso que vivemos a Sociedade do Conhecimento da Era da Informação! Nos meus tempos de rapaz (bem me lembro), havia um sentimento de firme estabilidade e de radical confiança em determinados valores – e valores que eram uma continuidade do mundo clássico e do cristianismo. Vivíamos então, em Portugal, um regime político de ditadura e um clima social de catolicentrismo? Não o nego, mas quando se apontavam “os amanhãs que cantam”, no capitalismo ou no marxismo, uma grande

esperança iluminava as palavras, porque se descortinavam Absolutos em que se acreditava: Deus (Senhor e Pai), a Razão, a Liberdade, a Democracia, a Luta de Classes. E o mundo, se era um mistério, não era um absurdo. Só que uma igreja sem cristianismo e um cristianismo sem igreja; o desmoronamento paulatino de muitas das ideologias de esquerda; o descrédito dos caudilhos que se dizem marxistas; o triunfo da sociedade de consumo; o espírito quantitativista, sem uma réstia de solidariedade,

do neoliberalismo que nos sufoca – tudo isto gerou um mundo onde os valores vitais de solidariedade e democracia desaparecem, diante dos valores numéricos, unicamente numéricos, do capital.

O desenvolvimento supõe tudo para todos e não só para o Real Madrid, ou o Manchester United, ou o Manchester City, ou o Bayern de Munique, ou o Barcelona, ou o Chelsea. Mas não é próprio do neoliberalismo mundializado que nos governa, dar tudo a meia dúzia de endinheirados, conluiados com o poder, e umas migalhas aos outros? Até no futebol se pode vislumbrar a sociedade em que vivemos. Não é possível pensar o desporto, sem um quadro de valores. Ser pessoa e agir como tal implica a referência a valores, incluindo os valores morais. Mas não é amoral o mundo empresarial que preside ao futebol? Verdadeiramente, o que tem a ver a moral com as vitórias e as derrotas, nas competições desportivas? Repito o que venho dizendo, há muitos anos: o desporto de alta competição reproduz e multiplica as taras da sociedade capitalista. Esquecer isto é não compreender o futebol que entusiasma e apaixona o mundo de hoje.

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