Porque sou Belenenses...


Nasci a 20 de Abril de 1933 na freguesia da Ajuda, em Lisboa. Ora, as freguesias de Ajuda e Belém constituíam o ninho onde se abrigava grande parte dos belenenses que frequentavam o Estádio das Salésias, com o respeito do crente que chega a um templo ou a um santuário. Recordo, era eu menino, o estrondear das palmas, ou das palavras bravas e furiosas, que ecoavam em minha casa que distava bem uns 500 metros do primeiro campo relvado do País. Relembro os jogos de futebol das décadas de quarenta e cinquenta, em que por entre as camisolas azuis de cruz ao peito pontificavam as “torres de Belém” e ainda o Quaresma, o Rafael e esse inteligente e perspicaz Mariano Amaro que me deixava deslumbrado com a certeza e a beleza do passe (o Guardiola, quando jogava no Barcelona, parecia-se muito com ele). E o Di Pace? E o Vicente? E o José Pereira? E esse extraordinário Matateu que não teme o cotejo com Eusébio? De facto, “bebi” o Belenenses, com o leite de minha querida mãe e toda a minha adolescência se passou, em grande parte, admirando, mesmo quando retraído e silencioso, os atletas do meu Clube.

Portanto, sou belenenses, em primeiro do mais, porque sou lisboeta e da freguesia de Nossa Senhora da Ajuda, onde então se erguia o Estádio das Salésias. Nos primeiros anos da década de sessenta, comecei a colaborar no jornal “Os Belenenses” (fui mesmo director deste semanário) e, com os escritos que publicava, quase todos eles na forma de saudações entusiásticas, carinhosas que dirigia aos nossos representantes, fossem eles do futebol ou não, foi crescendo em mim um amor pelo Belenenses, próximo da crença religiosa. Eu acredito que o Homem é um ser naturalmente religioso – religiosidade que se manifesta na permanente insatisfação que nos habita. Precisamos de Deus. Até no clubismo desportivo! É da estrutura fundamental do ser humano procurá-Lo! Não têm os grandes espectáculos de futebol palavras de uma arreigada crença a rodeá-los? Não vejo que haja coexistência da fé e da descrença, porque os que não crêem em Deus crêem noutra “divindade” qualquer... como num jogador de futebol!

Conheci depois os drs. Vale Guimarães e Fernando Olavo Gouveia da Veiga. E, acima de todos, essa figura mítica que foi Acácio Rosa. Generosa alma! Coração magnânimo! Fui seu “amigo do peito”! Com ele aprendi, em conversas inolvidáveis, que o Belenenses, fundado em 1919, por Artur José Pereira (que o Acácio venerava como se de um santo se tratasse) nascera do povo (não eram eles os “rapazes da praia”?) e só com grande solidariedade se mantivera, crescera e se desenvolvera. De facto, os primeiros belenenses, filhos das freguesias de Ajuda e Belém, encontraram no Clube de Futebol “Os Belenenses” uma bandeira de afirmação, de identidade, de auto-estima. Demais, o Clube de Belém, mal nasceu, logo se afirmou como potência futebolística da capital, ao lado do Benfica e do Sporting. Olhos rasgados e vivos, expressão triste, leve contorção na boca de um falar que não findava, o Acácio Rosa acrescentava quase sempre às suas memórias: “Já fomos um clube grande, mas continuamos um grande clube!”. Sendo por natureza um lutador, a qualidade que nele avultava era a bondade. Tinha normalmente nos lábios palavras de incitamento e benignidade. Tendo criado no Belenenses as modalidades de andebol, basquetebol, voleibol e não sei mais quantas, todos os seus antigos companheiros de prática desportiva o consideravam um seu familiar. Atravessou longa vida desportiva, designadamente como dirigente exemplar, sem que fosse possível aos seus adversários assacar-lhe qualquer acto contrário à lisura e à honradez. A calúnia, sempre impúdica e ousada parou ao deparar-se-lhe aquele desportista impoluto. E não se atreveu a tocar-lhe.

Porque sou belenenses? Porque nasci na freguesia de Nossa Senhora da Ajuda, em Lisboa. E, acrescente-se, o meu Pai era belenenses também. O clubismo nasce, em cada um de nós, mais por uma ética da convicção do que por uma ética da responsabilidade. E assim, sob este ponto de vista, tanta importância tem o Porto como o Famalicão, ou o Benfica como o Oriental, ou o Sporting como o Atlético. Os clubes são sempre grandes para quem os ama! Recordo-me agora de Althusser quando afirma que uma tese filosófica só pode ser considerada justa ou não justa, mas nunca verdadeira ou falsa. Ninguém se encontra mais próximo da Verdade só porque é adepto do Benfica ou do Porto. Encontra-se mais próximo do Poder. Mas não mais do que isso...

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