Nossos contemporâneos


Nossos contemporâneos são todos aqueles autores que são nossos companheiros nas investigações que encetámos... tenham esses autores a idade que tiverem, sejam vivos, ou mortos até; nossos contemporâneos são, entre outros, Jesus, Sócrates, Aristóteles Descartes, Espinoza, Voltaire, Kant, Hegel, Marx, Nietzsche, Foucault, enfim todos aqueles que nos apontam caminhos novos.

Conta Ludwig Wittgenstein que, muitas vezes, no acto de investigar, nos encontramos perdidos, como alguém que, num deserto imenso, procura uma casa habitada, onde possa descansar e alimentar-se. Com muita felicidade, encontra um pastor que se dispõe a procurar com ele o caminho para uma estalagem. Ao fim de algumas horas de viagem pedestre, o pastor parou e disse-lhe: ”Agora, procura tu o caminho da estalagem”. De facto, a partir de determinada altura, devemos ser nós a investigar, sem a ajuda de ninguém. Todo o investigador sente-se perdido, no meio de dúvidas sem conta. Mas é ele, só ele, que pode chegar à estalagem ansiada, porque mais ninguém, por ele, pode fazer o que lhe compete. Um grande autor, a partir de determinada altura, não tem que mostrar só que conhece o que os outros pensam, mas que sabe pensar. Roland Barthes diz-nos que não interessa tanto chegar a um porto seguro, mas que o nosso trabalho aumente a presença interrogativa que procura o sentido último de toda a fenomenalidade.

A palavra complexidade encontrei-a eu, pela vez primeira, se não estou em erro, em Gaston Bachelard, há quarenta anos. E foi a partir das palavras complexidade e totalidade (esta aprendi-a no vocabulário hegelo-marxista) que me pareceu errado um treino que radicava, principalmente, no preparo físico e esquecia que o ser humano é uma complexidade. Poucos me compreenderam. Confesso que eu também nada percebia de treino desportivo, mas talvez por isso mesmo não me deixei contaminar pelo “automatismo dos hábitos” (Michel Foucault) e pude ver e falar diferente. Numa das peças de Beckett, há o diálogo seguinte: “Por que não se vai embora?”. E a resposta: “Porque não posso ir-me embora, sem as minhas coisas”. Nova interrogação: “E para que servem as suas coisas?”. Nova resposta: “Para nada”. E uma interrogação ainda: “E não pode ir-se embora, sem elas?”. Como conclusão final: “Não!”. De facto, o que sabemos, muitas vezes, não serve para nada, mas é qualquer coisa que já faz parte de nós mesmos.

Há um livro de Peter Sloterdijk, intitulado Mobilização Infinita (Relógio d’Água, 2002) onde se fala de uma cinética filosófica, a qual decorre da resposta a perguntas como estas: diante de um desastre, qual a tua velocidade? Diante da mão que se estende, pedindo-te ajuda, qual a tua velocidade? Julgo que no desporto deveria emergir também uma cinética filosófica, decorrente da resposta a perguntas, como estas: no desporto que fazes, o praticante é meio ou é fim? O Desporto que fazes é um dos aspectos do desenvolvimento do teu país?... Ou seja, é preciso fazer do desporto uma ética em acção ou (como diz Peter Sloterdijk) uma cinética filosófica. O desportista, conforme diz este mesmo autor, deveria ser alguém “que não pode descansar enquanto a realidade não for melhor”. Estar parado, diante da falta de progresso e de desenvolvimento, é desportivamente imoral!

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