Caso Andrew Webster

No dia 30 de Janeiro do corrente ano o Tribunal Arbitral do Desporto, proferiu uma decisão, em sede de recurso, de uma decisão da Câmara de Resolução de Litígios da FIFA.
Nenhuma das partes se conformou com a decisão do DRC e todas interpuseram recurso para o TAS. As partes em confronto eram o anterior Clube “Hearths”, o clube para o qual o jogador se transferiu “Wigan” e o próprio jogador.
A questão jurídica em apreço consistia no apuramento do valor indemnizatório a pagar pelo jogador em caso de rescisão unilateral de contrato ao abrigo do artº 17 do regulamento internacional de transferências.
Como é sabido o preceito em apreço permite que o jogador rescinda o seu contrato de trabalho depois de terminado o “período protegido” que, igualmente nos termos das “definições” do citado Regulamento, é de três anos ou três épocas completas (o que ocorrer primeiro) se o contrato tiver sido assinado antes do 28º aniversário ou de dois anos ou duas épocas desportivas (o que ocorrer primeiro) se o contrato for assinado após o 28º aniversário.
Uma breve nota para referir que este regime foi introduzido no regulamento internacional de transferências em Setembro de 2001 decorrente de um processo negocial verificado à data entre a FIFA, a FIFPro e a Comissão Europeia, em que se discutia a estabilidade contratual versus a liberdade do jogador profissional enquanto trabalhador.
O jogador profissional de futebol Andrew Webster tinha celebrado o seu contrato de trabalho após os 28 anos de idade e, à data da rescisão do mesmo, encontrava-se fora do período de estabilidade.
Encontrando-se numa situação de conflitualidade com o clube, uma vez que este pretendia a prorrogação do vinculo, proposta não aceite pelo jogador, procedeu Andy Webster à rescisão do seu contrato de trabalho, sendo que quando o fez havia já ultrapassado o prazo de 15 dias definido no citado artº 17 nº 3 para proceder à notificação do clube (15 dias após a realização do último jogo da época).
O DRC chamado a pronunciar-se em primeira mão sobre esta questão admitiu a inscrição do jogador pelo novo Clube (Hearths) e relegou a definição da indemnização para momento ulterior. E, por decisão proferida em Abril de 2007, considerou que o jogador havia rescindido o seu contrato sem justa causa e condenou-o no pagamento de 625.000 libras correspondente, entre outros factores de ponderação, à média dos salários até ao final do contrato bem como dos salários auferidos no primeiro ano de contrato com o Wigan multiplicado pelo factor 1.5.
Procedeu, ainda, o DRC à aplicação de uma medida disciplinar qual seja a suspensão do jogador pelo período de 15 dias. Procurar-se-á, na análise da presente decisão, dar uma visão objectiva do acórdão proferido abstendo-se de qualquer opinião pessoal sobre as questões jurídicas objecto do acórdão em análise bem como de outras com ela conexas.
Quanto à questão de fundo temos que sobre ela repete-se todos os intervenientes interpuseram recurso para o Tribunal Arbitral do Desporto, formulando os seguintes pedidos:
1) Wigan e Andrew Webster
Anulação da decisão do DRC e substituição do montante de 625.000 libras por valor não superior aos salários devidos até final do contrato de trabalho;
2) Hearts
Anulação da decisão do DRC e condenação solidária do jogador e do Clube no pagamento de indemnização definida de acordo com o estipulado no artº 17 nº 1, no valor global de 4.680.508,96 libras descriminada nos seguintes termos :
- Perda de valor de transferência do jogador – 4 milhões de libras
- Valor devido até final do contrato – 199,976 libras
- Lucro do jogador com o novo contrato – 330.524 libras
- Honorários e despesas gastos – 80.008,96 libras
- Prejuízos desportivos e comerciais – 70.000 libras
O Tribunal Arbitral, sumariando as questões mais relevantes do Acórdão, decidiu nos seguintes termos:
1 – Lei Aplicável
a) Regulamentos FIFA na determinação do montante da compensação devida ao Hearts;
b) Lei Suiça na interpretação dos Regulamentos FIFA e da decisão do DRC objecto do recurso;
c) Lei escocesa se o Tribunal considerar que esta poderá ser relevante na aplicação conjunta com os regulamentos FIFA na determinação do montante indemnizatório.
2 – Mérito da Causa
a) Validade da Decisão do DRC
O clube Wigan invocou a falta de fundamentação da decisão do DRC, obrigatória nos termos artº 13º nº 4 do Regulamento do procedimento da Comissão do Estatuto do Jogador e da Câmara de Resolução de disputas.
O Tribunal Arbitral considerou procedente esta argumentação pois entendeu que, não obstante a decisão objecto do recurso ter enunciado alguns dos critérios definidos pelo artº 17 do Regulamento para a determinação da compensação, numa análise final não é possível entender qual o critério utilizado na determinação do “quantum” indemnizatório.
O Tribunal referiu que não existiu indicação do método e valores tomados em consideração pelo DRC para chegar ao montante indemnizatório de 625,000 libras.
Nestes termos o Tribunal entendeu que a decisão em recurso era inválida pelo que deveria ser proferida nova decisão para determinar o nível de compensação a ser pago com base no já citado artº 17.
b) Valor da compensação devido ao Hearths
a) Factos Assentes:
1 - O jogador rescindiu unilateralmente o seu contrato de trabalho nos termos definidos no artº 17 do regulamento em apreço;
2 - Consequentemente, o único ponto controvertido é o valor da compensação devida nos termos do referido artº 17;
3 - O valor de 150.000 libras é aceite por todas as partes envolvidas como o valor devido até ao final do contrato;
b) Interpretação e aplicação do artigo 17º Começou o Tribunal, por definir os critérios de interpretação, de acordo com a Lei Suiça, enunciando o sentido literal do artigo e caso este não fosse claro o recurso a outras disposições regulamentares da FIFA, o seu elemento teleológico e as razões históricas para a sua adopção.
O artº 17º refere-se a três categorias ou factores para definição do montante indemnizatório, a saber:
- Lei nacional aplicável
- Especificidade do desporto
- Outros critérios objectivos (ex: remuneração e outros benefícios pagos ao jogador, termos do actual e novo contrato, tempo restante do contrato até um máximo de cinco anos, custos e despesas incorridos pelo clube anterior etc.)
No que toca à Lei nacional o Tribunal entendeu que a lei escocesa não era aplicável pois a posição do Clube assentou em regras e princípios gerais da lei escocesa aplicáveis a prejuízos por incumprimento contratual, sendo que tal normativo não teria aplicação ao caso em apreço atenta a especialidade do trabalhador, as particularidades do mercado do futebol e o regime especifico definido pelo artº 17.
Relativamente à especificidade do desporto entendeu o Tribunal, numa visão histórica do artº 17, que deveria existir um equilíbrio entre a estabilidade contratual e a liberdade do jogador, ou seja, deveriam ser encontradas soluções para o bem do futebol que conciliassem de maneira justa os vários e por vezes contraditórios interesses de clubes e jogadores.
No que toca aos demais critérios, e procurando sintetizá-los, enunciou o Tribunal as seguintes premissas:
- Tendo em consideração que o artº 17º é aplicado quer a clubes quer a jogadores o sistema de compensação deste artigo deve ser interpretado de forma e evitar favorecer clubes ou jogadores.
- A estabilidade contratual é defendida através do “Período protegido” sendo certo que nenhuma rescisão de contrato é permitida no decurso de uma época desportiva.
- O valor indemnizatório deverá ser calculado em termos de clubes e jogadores serem colocados em absoluto pé de igualdade.
- O valor indemnizatório a pagar deve ser o mais previsível possível Entrando na análise do caso concreto, e no que toca ao valor peticionado pelo Hearths de 4 milhões de libras como “valor de mercado do jogador”, decidiu-se que inexistia qualquer fundamento económico, moral ou legal para a sua atribuição.
Entendeu o Tribunal que, numa perspectiva puramente económica, não havia razão para crer que o valor de mercado do jogador se devia mais ao treino prestado pelo clube do que ao esforço, disciplina e talento natural do jogador.
Foi, ainda, referido que, um estudo empírico demonstra que um jogador talentoso e esforçado são mais importantes do que o treino que esse mesmo jogador possa receber. Segundo a decisão em apreço, é claro que o clube não pode assumir-se como a única fonte de sucesso do jogador e dessa forma reclamar a integralidade do valor de mercado do jogador.
Sobre esta temática referiu-se, também, que a aceitar-se a tese do Hearths (responsabilidade exclusiva pela valorização do jogador) poderiam também ser responsabilizados os clubes pela sua desvalorização.
E, nesta medida, tinham os jogadores legitimidade para reclamar a sua desvalorização decorrente de diversos factores como o facto de terem sido suplentes ou terem sid treinados por técnicos incompetentes.
Relativamente ao valor de 75.000 libras pedido pelo Hearts a título de reembolso pelo valor dispendido na compra do jogador foi, igualmente, indeferido uma vez que, o valor de amortização já havia sido efectuado, pois o jogador já tinha cumprido os 4 anos iniciais de contrato.
Referiu, ainda, o Tribunal não estar convencido da admissibilidade de o Clube poder reclamar tal valor após o período protegido a não ser que tal compensação estivesse prevista contratualmente.
Entre os outros critérios de compensação enunciados no artigo 17º, o Tribunal considerou que a remuneração e outros benefícios devidos ao jogador na vigência do novo contrato não seria o critério mais ajustado para definir o montante da compensação após o período protegido.
Ao invés, considerou, mais ajustado tomar em consideração o facto de se estar perante um contrato a termo e nessa medida jogador e clube terem uma legitima expectativa de o contrato terminar no final do respectivo prazo.
Nestes termos o jogador teria o direito a receber os salários até final de contrato em caso de rescisão unilateral de contrato pelo clube tendo o clube direito a receber igual valor.
Este critério tem a vantagem de, indirectamente, definir o valor do jogador pois se o nível da sua remuneração for elevado será, igualmente, elevado o valor da indemnização.
Em face de todas as razões expendidas o Tribunal considerou que o valor da indemnização a pagar solidariamente pelo Wigan e pelo jogador ao Hearths era o valor remanescente do contrato no montante de 150.000 libras, acrescida de juros à taxa de 5% a contar do dia seguinte à rescisão do contrato (1/7/2006).