“É preciso um plano B, porque nós não controlamos tudo”


Tomás Ribeiro é capitão do Belenenses SAD e está a licenciar-se em reabilitação psicomotora.

És um dos dez jogadores da equipa que está inscrito na Universidade. O ensino superior sempre foi algo que esteve presente na tua mente?
Sim, sim. Desde sempre, porque os meus pais sempre valorizaram muito isso e a partir de uma certa altura funcionou como um plano B. Tive duas lesões mais graves e eles [pais] sempre disseram para eu não descuidar essa parte. Portanto, sempre fui tentando conciliar ambas as coisas ao máximo.

Quando decidiste que te querias candidatar à Universidade, ponderaste muito sobre que caminho seguir ou sempre foi claro que querias algo relacionado com o desporto?
Quando me quis candidatar à Universidade já tinha alguns cursos em mente, mas tive de ser bastante criterioso, porque sabia que não ia ser fácil conciliar. Na altura estava nos juniores e tinha de ter em atenção, para além das médias, obviamente, os horários. Naquele ano sabia que tinha treinos à tarde e tinha que ser um horário que desse para conciliar o melhor possível. Na altura, procurei vários cursos, tanto relacionados com fisioterapia, como com psicologia – que é uma área que me aliciava bastante – e acabei por escolher reabilitação psicomotora aqui na FMH (Faculdade de Motricidade Humana), porque relacionava um pouco ambas, a parte mais motora com a psicológica. É algo de que gosto muito.

De alguma forma essa escolha é já a pensar no futuro pós-carreira?
Sim, é a pensar um pouco no pós-carreira ainda que não saibamos nunca o que pode vir a acontecer até lá. Mas é uma área que eu quero muito explorar, isso sim.

Recentemente o Belenenses SAD admitiu que quer ajudar os atletas a conciliarem a vida profissional com a vida académica. É algo com que todos os clubes se deveriam de preocupar?
Sem dúvida. Acho que a vida académica, ainda que seja difícil conciliar com o futebol, é algo que nunca se deve descuidar e mesmo quando sentimos que temos de largar essa “profissão” de estudante – que para mim era uma profissão até começar a jogar na equipa principal – é algo que temos de conciliar sempre ao máximo. Nunca sabemos o que pode acontecer, e claro que não desejo a ninguém, mas as minhas duas lesões não estavam previstas e se algo acontecesse e eu não pudesse voltar a jogar futebol, estava preparado e teria um plano B.

O que falta, na tua ótica, para tornar o ensino superior na regra em vez da exceção?
Ainda que seja algo difícil de responder, para mim faltam alguns apoios. Eu lembro-me perfeitamente que na altura, e a FMH foi excecional nisso, o meu curso tinha oito cadeiras no primeiro semestre e nove no segundo, o que é bastante para o que é normal. Na altura deixaram-me inscrever nas duas turmas e acabei por fazer meio semestre em cada turma. Nisso a FMH foi espetacular. Na altura não conseguia ter o estatuto de trabalhador-estudante nem de atleta e creio que esses apoios são necessários para que os jogadores no ensino superior não sejam uma exceção.

“Quero trabalhar sempre para crescer mais e mais, tanto como pessoa quanto como jogador, até porque acho que o jogador e a pessoa são duas coisas que estão muito interligadas, mesmo que inconscientemente.”

 

Sei que neste momento tens a matrícula congelada, mas pensas em regressar ao curso ainda enquanto jogador no ativo?
Eu gostava bastante de regressar o mais depressa possível, ainda que também sinta que não pode ser uma carga e um peso. Ou seja, o meu foco neste momento está todo no futebol e quando eu sentir que consigo conciliar e manter o foco a 100% em ambas as vertentes, pretendo regressar.

Foi também discutido a falta de compreensão dos adeptos para com os atletas que apostam em carreiras duais e em formação. É possível mudar essa mentalidade? Ou achas que essa mentalidade já está a mudar?
Creio que essa mentalidade, como muitas outras, serão muito difíceis de mudar. Um jogador pode fazer um jogo bom e a faculdade em nada vai mudar o rendimento. Não é por isso que o jogador está a jogar bem. Mas se um jogador faz um jogo mau, os adeptos disparam para todo o lado, inclusive para a faculdade. É uma mentalidade que eu acredito que se possa mudar, apesar de eu achar difícil nos próximos anos.

Em 2020 tiveste uma lesão grave no joelho direito que te afastou dos relvados durante quase oito meses e essa paragem fez-te refletir sobre o quão imprevisível é a carreira de um jogador. Pergunto-te como viveste esses momentos?
Posso dizer que estava mais pronto do que na primeira lesão. Na primeira ainda era muito miúdo, tinha 14 anos. Quando contraí a segunda, claro que foi difícil, estava num momento bom, tinha acabado de me estrear na primeira liga e tinha várias oportunidades. Acabou por acontecer, foi difícil, mas sabia o que tinha de fazer. Acima de tudo a cabeça tinha de estar no sítio e não podia viver a lesão sozinho. Tinha de me agarrar ao meu agregado familiar, aos meus amigos, a toda a gente a quem me pudesse agarrar. Foi mais fácil nalgumas coisas e mais difícil noutras. Por exemplo, meteu-se a pandemia no meio e isso foi muito difícil de gerir, mas tanto da minha família, dos meus amigos, do clube, da clínica onde recuperei, facilitou muito a minha recuperação e ajudaram-me a regressar o mais rápido possível.

Deste a volta, regressaste e já mais do que te afirmaste na Primeira Liga. Esperavas que este crescimento acontecesse tão depressa?
Esperar que acontecesse tão depressa a afirmação, não, mas sempre trabalhei para tal. Não vou dizer que trabalho mais ou menos do que trabalhei antes de me estrear na Primeira Liga porque para mim, estive onde estive, estou onde estou, mas quero trabalhar sempre para crescer mais e mais, tanto como pessoa quanto como jogador, até porque acho que o jogador e a pessoa são duas coisas que estão muito interligadas, mesmo que inconscientemente. Mas respondendo, não, não esperava que fosse tão rápido.

“Para mim, até a um ponto da minha vida, os estudos estavam muito acima do futebol.”

Este ano estreaste a braçadeira de capitão na Primeira Liga. Qual a sensação de ser o capitão deste grupo com apenas 22 anos?
Costumo dizer que é um orgulho e uma grande responsabilidade. Não é por sermos capitães que somos mais do que os outros. No meu entender, cada um de nós tem de ter uma parte de capitão, seja no treino, no jogo, no balneário. Eu posso envergar a braçadeira dentro de campo, mas não sou o capitão, por exemplo, a nível de DJ no balneário. Isso para mim é uma característica importante – sermos líderes em várias atividades, mesmo para o espírito de grupo. Só em equipa, e com equipa refiro-me a toda a gente – jogadores, staff, equipa técnica – é que as coisas correm bem. Depois há a parte do orgulho. É um clube que me diz muito, que me deu a oportunidade de me estrear na Primeira Liga e sem dúvida que é um orgulho e uma grande responsabilidade ser o capitão.

Voltando aos estudos, esperas dar o exemplo a outros jogadores do grupo no que toca à educação?
Sim, eu espero sê-lo porque também eu me guiei muito por outros exemplos. Tive pessoas dentro e fora do futebol que me diziam “não descuides”, “vai fazendo devagarinho”. Eu tenho um colega, o Afonso Taira, que é o meu maior exemplo. Ele tem o curso tirado e saiu para outros países e continuou a tirar o curso. Isso para mim é espetacular, admiro-o muito por isso. Quero também eu ser um exemplo, sem dúvida.

Sentes que começa a haver admiração por aqueles que já pensam para lá no futebol e começam já a apostar noutras vertentes?
Sinto, mas também sinto que é uma área pouco explorada e com pouco foco. As pessoas não sabem bem e não percebem a importância que pode ter num atleta. Além de admiração, é preciso que as pessoas reconheçam a importância, que compreendam os jogadores, os atletas. Tem que haver a noção de que é preciso um plano B, porque nós não controlamos tudo.

Uma coisa que os jovens atletas precisam de ter sempre bem assente é a gestão de expectativas?
Lá está. Sempre tive essa gestão de expetativas, até feita pelos meus pais e pelos meus avós. Para mim, até a um ponto da minha vida, os estudos estavam muito acima do futebol. Os meus pais, ainda que ligados ao meio do futebol, não queriam nada que eu fosse jogador [risos]. Atenção, foram os grandes impulsionadores para eu começar, viam que gostava muito de jogar futebol, mas sempre foi “ok, podes jogar futebol, mas não te esqueças dos estudos”. Davam sempre aquela ameaça dos pais do “se tens más notas, sais do futebol, não vais ao treino e depois não jogas” [risos]. Foi muito importante porque sempre me deu a capacidade de ter a minha vida organizada. Eu sabia que tinha escola de manhã, tinha de estudar antes e depois dos treinos… Ganhei muito cabedal desde então. Foi muito importante para o meu crescimento.

O que pensas da aposta do Sindicato na educação dos jogadores e nas carreiras duais?
Acho que é perfeita. É algo que tem de ser bem passado, com calma e percebendo com que tipo de atletas é que se fala. A mensagem não pode ser passada de igual forma para todos.

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