“A minha carreira resume-se a grandes desafios”


Aos 39 anos, Edinho acaba de conseguir a promoção à Segunda Liga pelo Torreense.

Temos, inevitavelmente, de começar pelo início. Onde começa o futebol para o Edinho?
O futebol começou muito cedo, aos 9 anos, no Monte da Caparica. O meu pai na altura era treinador da Santa Casa da Misericórdia e tínhamos uma comunidade onde muitos jovens começavam a jogar. Havia um campo, o Campo dos Dragões, que foi onde aprendi a jogar ou ganhei mais o gosto, porque jogava com pessoas mais velhas que eu.

Filho de jogador, o teu pai sempre foi uma influência e inspiração para ti?
Influenciou porque a minha vida sempre foi futebol. Obrigatoriamente, acabei por ter o bichinho também, fruto do que o meu pai fazia. Apanhei o meu pai já numa fase mais final da carreira, já na Segunda Liga, onde via poucos jogos. Comecei depois a enraizar com os treinos, por ele ser treinador, e começar a seguir realmente a área do futebol.

Alguma vez houve outra posição que não de avançado?
Na formação tinha um treinador, que Deus o tenha, o senhor Gil, que dizia que eu tinha aptidão para ser número 10, mas o meu pai sempre disse “não, tens é que ser ponta!”. A verdade é que fui desenvolvendo essas características, fui-me mentalizando que queria ser ponta de lança, porque era muito mais técnico. Na altura brincava muito, driblava, mas comecei a ser mais objetivo quando comecei a ter noção que tinha as qualidades para seguir a posição.

Com 21 anos, deixas a Margem Sul e o Barreirense para rumar a Braga. Como foi essa adaptação?
Foi a primeira vez que saí de perto da minha família. Foi uma etapa difícil, mas há duas pessoas que têm uma papel muito importante nela. Uma foi o presidente Salvador, que me acolheu muito bem e sempre me deu apoio, e depois o António Caldas, que na equipa B do Braga foi como um pai. Ajudou-me a retirar o melhor de mim, a treinar, a ser persistente, a querer sempre mais. Creio que foram das pessoas mais importantes porque aquela proximidade permitiu-me ter o carinho que me faltava da família e permitiu-me singrar depois no Braga. Não esquecer também uma pessoa que teve uma importância fenomenal, uma pessoa que acreditou sempre em mim, que foi o mister José Rachão. Na altura, no Barreirense, não era fácil um jovem ter oportunidade de jogar e ele deu-me essa oportunidade. Consequentemente em meio ano consegui mostrar o meu trabalho e ir para Braga.

Ainda enquanto jogador do Braga, fazes a tua primeira passagem pelo Vitória. Tendo em conta a história do teu pai no clube, foi algo que te entusiasmou de imediato?
Não vou mentir, a primeira passagem pelo Vitória foi de extrema pressão, pelo carinho, por aquilo que o meu pai representava lá. Senti pressão, mas uma pressão boa. Era um sítio onde sabia que era acarinhado, onde sabia que ia ter oportunidade de mostrar o meu valor e assim foi. Foi ali que consegui mostrar-me e seguir a minha carreira.

“A primeira passagem pelo Vitória foi de extrema pressão, pelo carinho, por aquilo que o meu pai representava lá.”

Nessa época o Vitória ganha a primeira edição da Taça da Liga, vai às meias-finais da Taça de Portugal e ainda se apura para a pré-eliminatória da Taça UEFA. Gostavas de ter dado continuidade a esses feitos?
Sinto-me extremamente feliz por ter feito parte dessa equipa fantástica, embora na altura, com os problemas que havia, acabei por ser vendido. Para mim foi ótimo porque deu-me oportunidade de ir para outro patamar e outro grande clube, o AEK. Obviamente que eu olho e, especialmente para a parte da Taça da Liga, onde tive um bom momento, gostava de ter estado nessa final, porque foi fantástico. Lembro-me do Eduardo contar as histórias e sem dúvida que, estando na Grécia, também senti um bocadinho daquilo que foi o ambiente.

Acabaste por sair para a Grécia. Foi uma decisão fácil de tomar?
Não foi fácil. Apesar de saber que iria para um clube melhor, com melhores condições financeiras, não foi fácil porque tinha o Carlos Carvalhal que apostava em mim, eu estava num bom momento. Costumo dizer que são oportunidades que não podemos largar. Podia ter esperado pelo final da época, foi uma altura em que tinha muitos clubes interessados, o Bielefeld, clubes de França, mas a vontade e a presença do presidente do AEK ao vir a Portugal, foi sem dúvida o motivo que me convenceu a ir.

Como viveste o futebol e o seu ambiente na Grécia?
Fantástico. Costumo dizer que o meu melhor momento no estrangeiro foi no AEK. Não só pelas pessoas que encontrei lá, Geraldo, Rivaldo, Júlio César, Moretto, mas o ambiente, a maneira como tratam os jogadores, como nos recebem lá, é tudo o que um jogador quer. Acabei por chegar bem, apesar de não jogar na minha posição [risos], porque na altura precisavam de um extremo. O mister perguntou-me se eu jogava a extremo e eu disse que jogava em qualquer lado. Ele pôs-me a extremo, estreio-me num jogo frente ao Olympiacos, em que fiz uma assistência e um golo e a partir daí as coisas correram muito bem.

A verdade é que depois de saíres pela primeira vez, andaste longe de Portugal por algum tempo. Qual foi a melhor experiência que tiveste no estrangeiro?
No estrangeiro tenho de dizer o AEK, porque foi a primeira oportunidade e que podia ter corrido mal. Uma cultura diferente, uma maneira de pensar diferente, futebol diferente… Ao fim e ao cabo foi tudo, foi o carinho, a experiência em si, a maneira como entrei no campeonato e me estreei. Correu tudo bem.

A tua experiência no estrangeiro que se seguiu foi o Málaga. O que te levou a sair e regressar a Portugal?
Primeiro foi o facto de o Pedro Emanuel contar comigo. Mostrar-me que eu poderia ser importante num projeto. Estava no Málaga, a primeira época foi fantástica, a segunda também, depois com a entrada do sheik e dos milhões o clube contratou vários jogadores de renome, como o Rondón, Van Nistelrooy, Júlio Baptista, e eu era a quarta opção. Não que me metesse medo, até porque fomos para estágio e demonstrei ao Pellegrini que podia contar comigo, mas depois surgiu o Pedro Emanuel que tinha interesse em que eu viesse. Ficar lá para ser quarta opção, ainda por cima quando no início começo a jogar e depois não ter oportunidade de continuar, fez-me pensar que o melhor era vir para onde me queriam realmente. Foi o que fiz e não me arrependo. Vim para a Académica, tínhamos uma grande equipa, conquistámos a Taça de Portugal e fizemos uma temporada que ficou na história.

“Costumo dizer que a alma e a crença ganham mais vezes.”

E não só venceram a Taça de Portugal, como eliminaram o FC Porto e venceram na final o Sporting. Qual a sensação de erguer o troféu da prova rainha, ainda para mais deixando para trás dois ditos “grandes”?
Posso falar daquilo que foi o sentimento. Foi o sentimento de que realmente podemos não estar no mesmo patamar ou ter a mesma grandeza que o FC Porto ou o Sporting, mas temos a alma e a crença. Costumo dizer que a alma e a crença ganham mais vezes. É um pouco como a minha carreira. Muitas vezes as pessoas dizem-me “chegaste a um alto patamar, tens muito valor”. Eu nunca me senti uma pessoa com muito talento, senti-me sim uma pessoa capaz de fazer qualquer coisa, de trabalhar ao máximo, dedicar-me e sacrificar-me ao máximo e acredito que no final tens o teu resultado. Nesse grupo que tínhamos na Académica foi isso mesmo, o trabalho diário, a crença, o líder [Pedro Emanuel] que nunca nos deixou levantar os pés do chão. E no ano seguinte a mesma coisa, com o Sérgio Conceição. Foram duas pessoas que tinham a liderança com eles e isso aliado ao nosso espírito de grupo, àquilo que era o nosso talento individual, acabámos por fazer história.

Pessoalmente, a nível de números, a segunda época até foi muito melhor que a primeira. Depois de 40 jogos e 18 golos, tinhas algum clube ou meta no horizonte?
Não. Sinceramente não. Queria bater a marca dos 18, queria, porque quero sempre mais. Em termos de clube, o meu desejo era ir para um sítio onde me sentisse feliz e acabou por se materializar – ir para o Braga. Tinha duas opções, o Vitória e o Braga, só que o presidente Salvador fechou-me no jogo da final da Taça. Disse-me que queria que eu voltasse para casa e decidi ir para Braga.

Esse regresso ao Braga acabou por ser uma passagem curta, uma vez que saíste para a Turquia. Como é que viveste mais uma experiência, num futebol e num ambiente tão intensos?
[risos] Eu digo que estou talhado para grandes desafios e acho que a minha carreira se resume a isso. Quando olho para trás e vejo tudo o que conquistei, dá-me um orgulho tremendo. Inclusive, costumo dizer aos meus colegas que devemos estar sempre disponíveis para nos sacrificarmos ao máximo porque no final, quando olhamos para trás, sentimo-nos gratos. Saí de Braga contra a minha vontade. Situações que ainda me deixam magoado ao falar nelas. Não com o presidente, claro. Acabo por ir para outro campeonato e decidi que ia mostrar que o Edinho tinha capacidade para continuar no Braga. Eu tinha apostado ficar no Braga, fazer o meu nome no Braga e acabo por fazê-lo. Vou para a Turquia, bato um recorde ao marcar em nove jogos consecutivos. A partir daí começo a criar o meu nome na Turquia, eles passaram a chamar-me “O Cavaleiro Noturno”. As coisas correram de feição.

Coincidência, ou não, sempre que foste chamado à Seleção, estavas a jogar fora de Portugal. Consideras que tiveste melhores períodos fora de portas ou foi apenas um acaso?
Acredito que a chamada à Seleção coincidiu com duas pessoas muito importantes na minha carreira. Agostinho Oliveira e Carlos Queiroz. Agostinho Oliveira foi uma pessoa que sempre me acompanhou, sempre viu qualidade e apostou em mim. Claro que depois, ao ver que as pessoas estavam atentas, me comprometi a fazer uma vida extra de sacrifícios, porque sabia que chegar à Seleção era algo que todos os jogadores queriam. Então, sacrifiquei-me muito. Não só a minha adolescência, mas também a minha vida fora do futebol, porque sabia que estava em busca de algo enorme. Isso acabou por acontecer e foi, talvez, o maior feito da minha carreira.

“Os limites para mim são aqueles que nós definimos e o meu está bem vincado: tornar-me no atleta com mais anos a jogar futebol.”

Depois da Turquia, voltamos a Portugal e ao Vitória. É um clube ao qual desejavas voltar, depois da primeira passagem bem conseguida?
Sem dúvida. Não posso dizer que o Vitória é o meu clube, porque o Vitória é mais que isso, é mais que um sentimento. O meu pai foi para o Vitória com 17 anos, eu sei o que é o Vitória, o que é senti-lo. Tenho um carinho enorme pelo clube. Não dá para explicar aquilo que eu sinto, mas sinto, acima de tudo, uma gratidão imensa. É do Vitória que vou para o estrangeiro. Se lá fora me conhecem, é graças ao Vitória, que me deixou mostrar o meu futebol, que me deu carinho, deu-me apoio. Vou estar sempre grato.

Apesar de tudo, a experiência, especialmente em 2017/18, foi muito diferente daquela que tinhas tido dez anos antes…
Foi muito diferente. Voltei mais maduro, mais jogador, mais confiante, com outro nome e as coisas acabaram por acontecer naturalmente. Fui fazendo golos, fomos às meias-finais da Taça da Liga, estivemos bem no campeonato… Foi o regresso que imaginava.

Tens uma carreira bem vincada, já deste a volta a uma lesão de grande gravidade, tens 39 anos. O Edinho não conhece limites?
Não. Os limites para mim são aqueles que nós definimos e o meu está bem vincado: tornar-me no atleta com mais anos a jogar futebol. Isso quer dizer que vou ter de passar o Quim, que acabou com 42 [risos]. Portanto, é poupar-me e resguardar-me. Não, agora a sério. Sou uma pessoa que adora aquilo que faz. Sou mesmo um amante do futebol, vivo-o 24 horas. Sei que a minha família sofre um bocado com isto, porque quando eu digo que vivo o futebol, vivo mesmo muito o futebol. Sei que a minha hora está a chegar e já me tenho vindo a preparar mentalmente para isso. Tenho o objetivo de nestes dois anos chegar à Segunda Liga e talvez à Primeira. É difícil, mas pelo menos à Segunda e terminar como acho que mereço, que é a jogar e numa boa condição física.

Que memórias queres que os adeptos guardem e que histórias esperas que sejam contadas sobre o Edinho?
Acima de tudo que gostem daquilo que o Edinho tenta passar. Aquilo que eu procuro transmitir: uma pessoa persistente, irreverente, ambiciosa, mas respeitosa também. Não sei o que mais posso dizer.

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