Da promessa de um contrato ao abandono no aeroporto


Sindicato dos Jogadores prestou auxílio a Walter Gnerre, Jahveh Amaya e Henry Lainez.

Walter, Jahveh e Henry. Estes são os nomes de três jovens que atravessaram o Atlântico em busca de um sonho. Depressa, o sonho tornou-se num pesadelo e a promessa de um contrato de trabalho passou a um caso de abandono.

Não é caso único e não será o último. Imigração ilegal, tráfico e burla são mais comuns no futebol do que se possa pensar. Falsas empresas de agenciamento e falsos empresários seduzem jovens jogadores com promessas de um lugar numa equipa europeia, exigindo pagamentos de valores para avançar com o processo. Em busca do sonho de criança, muitos jovens acabam por arriscar o seu tempo, as suas poupanças e toda a vida que levavam, pela oportunidade que lhes é vendida. Só quando chegam ao destino percebem que foram enganados e, de um momento para o outro, estão sozinhos num país desconhecido, sem ajuda e sem saber a quem ligar.

Walter, de 20 anos, ítalo-venezuelano, deixou a família para trás, na Flórida, acreditando ter chegado o seu momento de brilhar num campeonato europeu.

“Perguntei-lhe “isto é real, é legítimo? Tens a certeza de que isto é legal?”

Jahveh, de 23 anos, filho de imigrantes hondurenhos, deixou o futebol nas Honduras e a família na Virgínia. Depois de um verão em Espanha, onde conheceu Walter, acreditou que tinha chegado a altura de dar um novo passo na carreira.

Henry, de 18 anos, hondurenho e salvadorenho, amigo de infância de Jahveh, resolveu arriscar e, pela primeira vez, voar para a Europa.

Assim começou a história de três filhos de imigrantes a viver nos Estados Unidos. Na janela de transferências de verão da época 2022/23, um outro amigo em comum, que Jahveh e Walter tinham conhecido em Espanha, Franco, telefonou-lhes. «Eu estava em casa, com a minha família, na Flórida, e ele falou-me desta oportunidade que surgiu, que esta equipa, o AD Camacha, estava à procura de jogadores. Ele falou-nos da oportunidade, perguntou-nos se estávamos interessados e eu perguntei-lhe “isto é real, é legítimo? Tens a certeza de que isto é legal?», recorda Walter. Franco, que também é futebolista, assegurou-lhe que tudo era legal e respondeu a todas as questões levantadas pelos três jovens. «Eles disseram que estavam à procura de jogadores que estivessem dispostos a vir jogar para Portugal, para o AD Camacha, da quarta divisão», reforça Jahveh. Esta era a proposta: contrato de trabalho de um ano, residência, alimentação e 400€ por mês. Quem o conta é Henry, o mais novo dos três amigos.

“Ao fim de dez dias ou uma semana, começámos a duvidar de tudo o que nos disseram.”

A proposta era clara e parecia real. O ordenado não era alto, mas os três jogadores dizem o mesmo: o dinheiro vinha em segundo lugar, a prioridade era estabelecerem-se numa liga europeia. Em troca, a alegada empresa de agenciamento, conhecida pelos atletas como “Sport PT”, pediu a cada um dos jogadores 200€ por uma carta-convite do clube, como prova de que o clube os queria, 1300€ para tratar de toda a documentação e os jovens teriam ainda de suportar todos os custos da viagem até Portugal. Todos pagaram as suas viagens e os 200€ pela alegada carta do clube. No entanto, Jahveh e Henry recusaram-se a dar os 1300€ antes de assinarem o contrato.

Os três jovens viajaram para Lisboa e aterraram no Aeroporto Humberto Delgado a 18 de julho. À chegada, alguém do clube estaria à sua espera. Quando chegaram, ninguém apareceu. Ao tentarem contactar a empresa, falaram com “Eduardo”, alegado diretor da empresa, que os convenceu de que tudo estava bem. Pediu-lhes que reservassem um quarto de hotel durante alguns dias, enquanto tentava resolver o impasse na Madeira, dizendo explicitamente aos jogadores para não viajarem para a ilha. Foi aí que tudo começou a cair por terra. Os planos rapidamente mudaram e, em vez de seguirem para o Camacha, “Eduardo” informou os jovens que iriam, afinal, para o União da Madeira, clube extinto desportivamente, alegando ser também diretor da equipa e estar a construir um plantel de raiz. Regressaram ao aeroporto, onde esperaram durante dois dias por alguém com a camisola do clube, alguém que nunca chegou. Henry, com apenas 18 anos, confirma que os três se sentiam «confusos, perdidos. Contactámos o Franco, perguntámos o que se estava a passar», mas ninguém lhes sabia responder. Walter admite que apenas «ao fim de dez dias ou uma semana, começámos a duvidar de tudo o que nos disseram».

Um amigo em Espanha aconselhou-os a pedir ajuda à Associação de Futebol de Lisboa, num momento em que o dinheiro já começava a faltar e em que a família, do outro lado do oceano, já não sabia o que fazer. «a nossa família estava preocupada. Estávamos a ficar sem dinheiro, porque não viemos para cá para o gastar, mas sim para o ganhar», diz Walter, enquanto Jahveh, desiludido, admite: «Vim a pensar que estava pronto para assinar, que estas pessoas me queriam na equipa, que já me tinham aceitado como jogador, que o treinador me queria enquanto jogador» e que quando percebeu que tinham sido enganados se sentiu «envergonhado» por si e pela sua família. «Eu trabalho muito por isto».

“Ezequiel”, “Eduardo” e a empresa “Sport PT” são os nomes suspeitos de terem desenvolvido este esquema para enganar Walter, Jahveh e Henry.

A Associação de Futebol de Lisboa encaminhou o caso para o Sindicato, onde os jogadores receberam o apoio que precisavam com urgência: alojamento, transporte e alimentação. Walter, Henry e Jahveh foram ainda integrados no Estágio do Jogador. Apesar da vontade de atingir o sonho europeu, os três jovens acabaram por pedir apoio para regressar a casa e, como já o fez em casos semelhantes, o Sindicato dos Jogadores garantiu o retorno em segurança de cada um. Jahveh e Henry voltaram para a Virgínia, nos Estados Unidos, com os seus sonhos por realizar, mas com mais atenção a estes fenómenos. Walter, que tem cidadania italiana, voou para o país transalpino, onde tem contactos e vai continuar a lutar pelo maior objetivo da sua ainda curta carreira: chegar à seleção italiana.

Os três jovens passaram por uma situação que, infelizmente, é recorrente no futebol, mas que tem de ser travada. Jahveh, antes de partir, disse que queria contar a sua história. «Nós temos de parar isto! Há muitos miúdos com o sonho de serem jogadores, de jogar na Europa, não podemos deixar que isto lhes aconteça. Na reunião que tivemos no Sindicato eu disse, temos de lutar, temos de parar isto».

O Sindicato, tal como a FIFPro, alertam para esquemas fraudulentos de falsos agentes e agências intermediárias que continuam a atuar no futebol, enganando jogadores e jovens cheios de sonhos. “Ezequiel”, “Eduardo” e a empresa “Sport PT” são os nomes suspeitos de terem desenvolvido este esquema para enganar Walter, Jahveh e Henry. O departamento jurídico do Sindicato dos Jogadores continuará a acompanhar o caso junto das autoridades competentes e respetiva investigação criminal.

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