“Os meus pais sempre incutiram muito a vida de estudante”


Rui Correia, central do Estrela da Amadora, é licenciado em Educação Física.

Gostamos sempre de começar pelo início, onde tudo começou. A primeira pergunta é: como é que um rapaz de Chaves acaba a fazer a formação no Seixal FC?
Eu nasci em Chaves porque o meu pai jogava lá. Vivi lá até aos meus 6 anos, mas depois a minha formação foi no Seixal porque nós somos do Seixal.

Tal como o teu pai, também és defesa central. Inspiras-te muito nele?
Via os jogos do meu pai, como é óbvio, mas na minha formação sempre torci o nariz a ser defesa central, então, era médio centro. Depois no futebol sénior começavam a ver que eu não tinha assim tantos pezinhos para andar lá na frente [risos] e colocaram-me a defesa central. Aí repararam que poderia ter mais sucesso do que tinha tido até então e foi só nessa altura que comecei, de facto, a ser central.

Enquanto sénior foste também treinado pelo teu pai. Ele sentiu-se orgulhoso de ver que afinal o filho ia ser defesa central como ele?
É verdade, por acaso foi uma situação um pouco estranha. Com o nosso pai a treinar-nos pensamos que a exigência é maior. Talvez fosse igual, mas eu sentia que era um pouco maior, porque eu próprio não podia defraudar as expetativas do meu pai. Foi uma experiência boa, deu-me bons conselhos e aprendi muito nesses anos. Foi uma experiência para relembrar.

E foi ele que te incentivou a prosseguir os estudos ou foi mais uma decisão pessoal?
Os meus pais sempre incutiram muito a vida de estudante, com muitas regras em casa e isso levou-me a olhar por mim, a olhar para o meu futuro. Passou um pouco por aí. Nunca, nunca descurar os estudos, sempre a fazer o que gosto, mas nunca deixando os estudos para trás.

Sentes que, com uma licenciatura, estás mais preparado para o pós-carreira, chegue ele quando chegar?
Sim. Como é óbvio, na altura em que tirei o curso foi a pensar no meu futuro. Não pensava que um dia iria ser jogador profissional – e já vou na minha décima época como profissional. Comecei nos escalões mais baixos, fui crescendo e estudando, sempre com o sonho de, mas o sonho cada vez parecia mais longe. Um dia consegui, mas os estudos acompanharam-me e fiz sempre questão de continuar a estudar. A licenciatura, como é óbvio, é boa. Um “canudo”, como diziam os meus avós, não deixo de ter. Foram muitos anos a estudar, aprendi muito, é muita coisa que absorvemos e que levamos connosco para um futuro que, mesmo que não seja no mesmo ramo, podem ser usadas no pós-carreira.

“Comecei a dar aulas da primeira à quarta classe e ainda treinava ao final da noite.”

Conseguiste conciliar sempre bem o futebol com o ensino superior?
Sim. Foi difícil, como é óbvio. Eu era amador, tinha aulas de manhã, depois comecei a dar aulas da primeira à quarta classe e ainda treinava ao final da noite. Custava muito, tinha o dia todo preenchido, mas ao final do dia era saboroso. Depois quando passei para profissional estava já a tirar o mestrado [em ensino], estava já no meu segundo ano e tinha de fazer um estágio na escola. Estava no Portimonense, fiz a questão ao treinador, saber se poderia continuar, porque eu tinha esse interesse, que o estágio era dar aulas numa escola, e ele disse “não tens problema nenhum. Agora, se apareceres aqui mais cansado, não será pelos treinos, que eu os treinos consigo controlar. Não consigo controlar é o que fazes fora daqui”. Ele dizendo-me aquilo… deixou-me fazer, mas sendo o meu primeiro ano de profissional pensei “não, se quero isto, vou agarrar-me a isto e vou-me focar a 100%”. Por um lado, ainda bem que o fiz, porque certamente ia-me sentir mais pressionado, se me sentisse mais cansado poderia o treinador pensar outras coisas. Decidi que se era profissional, ia dedicar-me ao máximo e até hoje sou licenciado, o mestrado ficou interrompido. É um ano que ficou por fazer, mas cá estamos e um dia poderei concluí-lo.  

Gostavas de seguir essa vertente do ensino?
Na altura sim, hoje em dia se calhar não escolhia isso, até porque como isto está agora estava ali nas greves ao lado dos professores. Na altura tinha outro pensamento, hoje tenho mais experiência de vida e tenho outras perspetivas. Não me vejo a desligar totalmente do desporto e da atividade física. Sempre gostei muito, desde criança, sempre acompanhei todas as modalidades, Jogos Olímpicos, tudo. O futebol foi uma grande paixão e não desvirtuo uma ligação ao futebol. Penso muito no que poderá ser o meu futuro, mas as oportunidades aparecem e ainda tenho alguns anos pela frente.

Sendo um jogador já com experiência, procuras influenciar os teus colegas no balneário, especialmente em relação aos estudos?
Sim. Não estou ali a vangloriar-me a dizer que sou licenciado, mas tenho sempre um discurso positivo, de alguma experiência, sendo dos mais velhos do balneário. Passo um bocado a minha forma de estar, a minha forma de ver a vida, os estudos. É por aí.

Esta temporada tem sido regular e o Estrela está a fazer um grande campeonato. A época está a corresponder às expetativas?
Sim. É uma coisa que eu queria, vir para perto da família. Estive muito tempo longe da minha casa. Este ano foi um regresso. Foi um dois em um: fazer aquilo de que gosto, dentro de um projeto ambicioso, estando perto de casa. Juntei o útil ao agradável. E, claro, estando a jogar tudo fica mais fácil. A época tem sido difícil, estamos no lugar em que estamos com muito trabalho e sacrifício, mas sim, no final do dia o resultado é positivo.

Regressar à Primeira Liga ainda é um desejo ou um objetivo?
Claro que sim, sem dúvida. Nós jogadores queremos sempre mais e mais. É um objetivo, como é óbvio. Não é o principal, mas claro que qualquer jogador ambiciona regressar. Já lá estive algumas épocas e se puder regressar o mais rápido possível, claro que não vou dizer que não.

Partilhar