“A melhor parte é chegarmos ao fim e desses 51, todos terem clube”
Paulo Lopes foi o treinador do 22.º Estágio do Jogador, iniciativa do Sindicato para futebolistas sem clube.
Aos 46 anos, e depois de orientar a equipa de sub-23 do Benfica na época passada, Paulo Lopes aceitou o desafio de ser o treinador da 22.ª edição do Estágio do Jogador.
Com um futuro bem traçado e uma carreira planeada, o antigo guarda-redes aguarda pelo desafio certo para dar continuidade ao seu trabalho.
Paulo, Estágio terminado, como foi a experiência?
Olha, muito agradável, muito, muito enriquecedora. Foi algo que, sem dúvida alguma, vou levar para o futuro.
Quando recebeste o convite para seres o treinador desta edição do Estágio do Jogador não hesitaste?
Não, não hesitei. O Dr. Evangelista ligou-me e falou-me do projeto, que eu já conhecia, e claro que, estando disponível, disse logo que sim, porque é algo com que eu me identifico – tentar ajudar as pessoas – e não podia deixar de o fazer.
Aqui o trabalho não passa por rotinar uma equipa para obter resultados desportivos, como vitórias, mas sim conseguir preparar da melhor forma os jogadores para oportunidades que possam surgir. Como é que se faz essa preparação?
Não é fácil, de facto, mas é muito enriquecedor, como disse. O tu conseguires, ou estares a transmitir uma ideia com jogadores que estão a entrar e a sair, porque acabam por aparecer jogadores novos hoje e amanhã já não estão porque felizmente já conseguiram um clube, não é fácil. É tentar explicar e tentarmos fazer perceber a ideia que queremos transmitir, que é para eles serem melhor individualmente e, ao mesmo tempo, passar algumas mensagens coletivamente. É, de facto, muito enriquecedor, nesse sentido.
Ao longo de oito semanas de treino, passaram por aqui 51 jogadores. Qual o maior desafio de ter um grupo tão volátil?
Eu acho que a parte psicológica, porque, no fundo, estamos a falar de jogadores que não têm trabalho. O objetivo deles é arranjar um clube e sabendo que passa um dia, dois dias, três dias e têm de continuar a vir… não é fácil gerir essa situação. Acho que o respeito é a base de tudo. E quando eu vim para cá foi nessa base, foi na base do respeito. Respeitá-los, percebê-los, entendê-los e ajudá-los nesse sentido, por isso acaba por ser fácil.
“Saberes que o jogador não vem no dia a seguir, quando estás a preparar o treino, porque já tem clube, é muito gratificante.”
E, pelo lado contrário, qual a melhor parte de ser treinador do Estágio?
A melhor parte é chegarmos ao fim e desses 51, todos terem clube. Aí é de facto fantástico. Tu saberes que o jogador não vem no dia a seguir, quando estás a preparar o treino, porque já tem clube, é muito gratificante. No fundo, é isso. É por isso que estamos aqui. É para isso que existe o Estágio do Jogador. Essa é a maior vitória que se pode ter.
Além da vertente desportiva, o Sindicato oferece aqui alguma formação aos jogadores numa tentativa de pelo menos os sensibilizar para as carreiras duais e uma transição para o pós-carreira. Julgas que essa preparação atempada é importante?
Sem dúvida alguma. Eu acho que o conhecimento só nos ajuda a sermos melhor. E quanto mais conhecimento tu tens, mais preparado estarás para o futuro. Acho que é de louvar e de continuar para o jogador estar preparado e saber o que é que pode encontrar, porque isto no futebol hoje estás bem, amanhã estás menos bem. Andas sempre numa roda-viva, como se costuma dizer, e estares preparado, conseguires ter um plano, um guia de orientação na tua vida é fundamental.
No teu caso, antes do Estágio, já tinhas tido algumas experiências enquanto treinador no Benfica, clube onde inclusive terminaste a carreira. Foi uma transição natural e planeada passar de jogador a treinador?
Foi planeada desde muito cedo. Desde muito cedo que sabia o que queria, tanto que o primeiro curso de treinador que tirei foi em 2004 e o segundo em 2008. Por isso, foi uma coisa planeada, sabia o que queria, sabia e sei, para onde quero ir. Foi tudo programado. Depois, foram ocasiões de momento. Quando deixei de jogar, apareceu a oportunidade de poder ser treinador de guarda-redes, que nunca foi uma área que eu quisesse, mas vi uma oportunidade e foi uma forma de me instruir melhor, de me preparar melhor para o futuro. O resto foi acontecendo gradualmente.
“Desde muito cedo que sabia o que queria, tanto que o primeiro curso de treinador que tirei foi em 2004 e o segundo em 2008.”
A minha próxima pergunta é um bocadinho por aí. Começas enquanto treinador de guarda-redes e em 2021 passas para treinador-adjunto, isto antes da tua estreia enquanto treinador principal. Este percurso foi benéfico para a tua carreira?
Sem dúvida alguma. Quando somos jogadores, preparamo-nos para isso, mas quando estás da parte de fora, tens um conhecimento completamente diferente. Aparecem-te outros problemas que tens de resolver. Ao longo deste tempo fui percebendo, fui observando, fui vendo, fui adequando, fui-me preparando para ser melhor.
E como foi essa primeira experiência enquanto treinador principal?
Para ser sincero, foi boa, foi muito boa mesmo. A equipa deste ano do Benfica tinha o Parente, o Leandro, o Spencer - que jogou na primeira fase e que esteve sempre a jogar comigo - tinha o João Rego… foi gratificante. Conseguires ver os jogadores que começaram a trabalhar contigo a chegar a outro patamar. Na formação o grande objetivo, tal como aqui é nós conseguirmos encontrar um clube para os jogadores, é prepará-los para o próximo nível, para o que vem a seguir. Nesse sentido, estou claramente de consciência tranquila.
Tens trabalhado sempre com jogadores jovens. É algo que te cativa?
A trabalhar com os mais jovens ou com os menos jovens, a ideia é a mesma – é conseguires que eles se preparem e consigam ser melhores amanhã do que são hoje. Esse tem de ser o ponto de partida. Tanto trabalho com gente mais nova, como com menos nova, não me faz diferença. Depende do projeto, depende das ambições. Tenho as minhas, e hei de chegar lá, de uma forma ou de outra.
Ainda assim, perspetivando o futuro, e se pudesses escolher, preferias trabalhar com as camadas jovens do que com as equipas principais?
Depende de tudo. Não te vou dizer que é uma coisa ou que é outra. Neste momento já estive a trabalhar mais tempo com a formação e ambicionava ter outro tipo de experiência, que também é enriquecedora, também me vai valorizar e vai-me trazer outras vivências. É indiferente, desde que o projeto seja bom e sólido estou disponível.
“Na formação o grande objetivo, tal como aqui é nós conseguirmos encontrar um clube para os jogadores, é prepará-los para o próximo nível, para o que vem a seguir.”
Cada vez mais vemos os jovens a chegar muito cedo às equipas principais. Para um treinador é benéfico passar pelos escalões etários mais baixos primeiro para lidarem melhor com esses “miúdos”?
Depende da pessoa que está ao comando, isso tem muita relevância. No futebol vais vivendo experiências que te vão dando outro tipo de maturidade para que quando as situações acontecem, tu consigas reagir de forma adequada. Quando tu vives ou trabalhas na formação, tens essa perceção, sabes como é lidar com o jogador mais novo. Se estás no futebol sénior, se aparece um jogador mais novo, tu tens essa vivência porque já viveste no passado essa situação. Eu acho que é muito enriquecedor, sem dúvida.
Acreditas que o facto de teres sido jogador é uma mais-valia para esta fase da carreira e que te dá outra “bagagem” junto dos mais jovens?
Claramente! Quando jogas muitos anos, não te dá tudo, mas dá-te muitas vivências quer dentro do campo, quer fora dele. As situações vividas pelos clubes por onde tu passas, os sucessos e os insucessos… Isso traz-te vivências enriquecedoras, que quando acontecem agora, como treinador, já estás preparado. Sabes o que aconteceu e podes traçar um rumo mais adequado para poderes ajudar nessa situação. Eu acho que ajuda bastante.
Já há planos para o futuro profissional? E objetivos?
O plano é conseguir encontrar um projeto adequado para conseguir continuar a minha carreira e ter sucesso. Essa parte é fundamental, porque ninguém faz nada para não ter sucesso. Eu não fujo à regra. Depois de aparecer [o projeto], é trabalhar e continuar a progredir com a minha carreira.
Onde gostavas de te ver daqui a dez anos?
Como treinador, a treinar, com muita saúde. O resto vem por acréscimo. Mas com trabalho, acima de tudo, e conseguir atingir os objetivos até lá, a cada dia. E daqui a dez anos por outro objetivo para os próximos dez.