A menstruação e o futebol feminino

Jogadoras e especialistas abordam um tema que pode afetar o rendimento desportivo das atletas.
Na véspera do Dia Internacional da Mulher, que se assinala este sábado, 8 de março, apresentamos uma reflexão de três jogadoras da Liga BPI, uma ex-futebolista e dois especialistas (uma nutricionista e um fisiologista), sobre o impacto da menstruação no rendimento desportivo das atletas.
Carolina Beckert (jogadora do Damaiense), Sara Brasil (Estoril), Rafaela Rufino (Torreense), Matilde Fidalgo (ex-futebolista e assessora do Sindicato dos Jogadores para o futebol feminino), a nutricionista Beatriz Gandra (Famalicão) e o fisiologista Francisco Sá Pessoa debatem a importância da nutrição e de planos de treino adequados, para uma melhor performance desportiva das jogadoras.
Segundo um estudo desenvolvido pela FIFPRO sobre os padrões de saúde ginecológica, as jogadoras profissionais são mais propensas a apresentarem ciclos irregulares do que a população em geral.
Neste estudo, que contou com o testemunho de 74 jogadoras de primeira e segunda liga, 30% reportaram ter um ciclo menstrual irregular e 75% reportaram sofrer de dismenorreia (cólicas menstruais intensas). De realçar também que destas 74 jogadoras, apenas uma é mãe.
A participação das mulheres tem sido uma presença cada vez mais assídua e ativa no mundo desportivo. Ainda assim, há pouco trabalho de investigação sobre a fisiologia das jogadoras de futebol profissionais no ativo.
Durante o ciclo menstrual, o corpo da mulher sofre muitas flutuações hormonais. As alterações nos níveis de estrogénio e progesterona podem afetar a performance desportiva nas diferentes fases do ciclo menstrual.
O fisiologista Francisco Sá Pessoa, co-founder da Brotherwod e preparador físico da equipa sénior de andebol masculino do SL Benfica, não dissocia o rendimento desportivo dos ciclos menstruais.
“A atenção redobrada sobre os ciclos menstruais ou o mais individualizada possível, sobre quem controla e quem prescreve, deve existir para que quem está nos dois lados, consiga ter mais atletas a ter mais rendimento, mais performance e, sobretudo, com menos lesões”, realça o fisiologista.
Um acompanhamento personalizado a cada fase, assim como suplementação adequada, podem fazer toda a diferença para uma melhoria do rendimento desportivo.
É necessário entender o impacto que essas fases têm na performance das atletas para que seja desenvolvido um protocolo de treino que permita obter um melhor rendimento e sucesso desportivo.
Adicionalmente, o papel da nutrição é fundamental. Um acompanhamento personalizado a cada fase, assim como suplementação adequada, podem fazer toda a diferença para uma melhoria do rendimento desportivo.
Segundo a nutricionista Beatriz Gandra, que trabalha com as jogadoras da equipa sénior do Famalicão, os planos de alimentação e treino das atletas devem ser ajustados aos seus ciclos menstruais.
“Poderá fazer sentido aumentar a ingestão de alimentos ricos em ferro e em vitamina C durante os dias da menstruação, embora seja essencial terem esse bom aporte durante todo o ciclo menstrual. Se a jogadora se sentir mais cansada, com carga de treino mais intensa e precisar de mais hidratos de carbono, ajustamos o plano consoante o feedback individual”, sublinha a especialista.
Carolina Beckert, jogadora do Damaiense, é o exemplo de que cada futebolista deve ser avaliada de forma personalizada, atendendo a que nem todas as atletas apresentam os mesmos sintomas.
“Quando estou menstruada sinto-me bastante mais cansada e tenho isso em conta. Felizmente estou num clube [Damaiense] onde valorizam isso e em que a carga de treino é adaptada à jogadora, consoante a fase do ciclo menstrual em que está”, destaca a jogadora de 24 anos.
Na perspetiva da assessora do Sindicato dos Jogadores para o futebol feminino e ex-internacional portuguesa, Matilde Fidalgo, os planos de treino das equipas têm de ser ajustados à fase menstrual das jogadoras.
A capitã do Estoril, Sara Brasil, realça a importância de uma boa nutrição para que as jogadoras tenham o rendimento desportivo esperado e exigido: “Um nutricionista faz toda a diferença num clube. Ter alguém que nos acompanha e que percebe o que estamos a sentir é fundamental para o nosso trabalho. Muitas vezes um treinador, e eu percebo, quer rendimento, mas por detrás disso há uma cabeça a pensar, um corpo a trabalhar e um descanso que é preciso ter.”
Os sintomas que afetam as futebolistas durante a menstruação variam de jogadora para jogadora. Rafaela Rufino, do Torreense, descreveu o seu caso específico: “Sinto mais inchaço e retenção de líquidos quando estou menstruada e aproveito para me hidratar mais e mudar a minha alimentação, evitando salgados.”
A jogadora brasileira de 31 anos defende a inclusão de profissionais especializados nesta área nos clubes de futebol, para que as jogadoras tenham um maior suporte médico. “A menstruação afeta o futebol feminino e os clubes devem ter profissionais específicos para esta área, que ajudem a adaptar os treinos e a alimentação.”
Na perspetiva da assessora do Sindicato dos Jogadores para o futebol feminino e ex-internacional portuguesa, Matilde Fidalgo, os planos de treino das equipas têm de ser ajustados à fase menstrual das jogadoras, o que nem sempre acontece.
“Algumas jogadoras precisam de ajustes porque é assim que se vai conseguir extrair o maior rendimento das atletas e não se vai colocar em risco o aparecimento de uma lesão. Acho que as jogadoras devem estar informadas sobre isso, mas acima de tudo os profissionais relacionados com o assunto, que têm algum tipo de influência, que ajustam os treinos e são responsáveis pela carga definida, devem estar o mais informados possível para fazerem um plano de acordo com as necessidades das suas atletas”, conclui a ex-internacional lusa.
Vídeo da reportagem AQUI.