“O capitão é o exemplo do clube”

Nenê detém o estatuto de jogador mais velho da Liga 2024/25 e enverga a braçadeira do AFS.
Em 2008/09, na época de estreia no futebol europeu, Nenê foi o melhor marcador da Liga pelo Nacional, feito que é o seu melhor cartão de visita. Mas há mais. Passou nove épocas em Itália e, em 2018, regressou para marcar mais golos.
Aos 41 anos, o decano da atual edição da Primeira Liga tornou-se no segundo jogador mais velho de sempre a marcar no principal escalão nacional. Quem conhece o capitão do AFS sabe que ele é capaz de não parar por aqui.
Quando é que foste designado pela primeira vez como capitão de equipa?
Fui capitão no Moreirense, mas a primeira vez foi no Bari. O Bari foi uma oportunidade que eu tive, infelizmente, devido a uma lesão do nosso capitão. Como eu era um jogador um pouco mais experiente, deixaram-me como capitão naquela partida. Desde aí, consegui fazer bem esse papel.
E aqui, no caso do AFS, foste escolhido como capitão pelos jogadores ou pelo treinador?
Fui escolhido pelos jogadores e pelo clube também. Já tinha uma certa experiência e designaram-me como capitão. Desde aí que faço esse papel aqui neste clube.
Além do AFS, do Bari e do Moreirense, que já referiste, foste capitão em que equipas?
Só fui nessas. Foi aí que comecei a ter um pouco mais de experiência. Até porque fiz Cruzeiro, depois Itália, onde joguei com jogadores muito mais experientes do que eu. E, claro, era normal, jogadores que já tinham muito mais tempo de casa, eles passavam a ser capitães e eu nunca fui nessas equipas em Itália. Só fui no Bari.
Que características é que um capitão deve ter?
Primeiro, o profissionalismo. No dia a dia, queremos chegar cedo e ser quase o último a sair do local de trabalho. Respeitar sempre aquilo que o míster pede, tanto na parte do staff, como dentro e fora de campo. Acho que o capitão é o exemplo do clube, é o exemplo da nossa equipa dentro de campo, então acho que o capitão é uma parte fundamental.
E que valores é que transmites a quem chega ao clube?
Cada clube onde passamos como capitão tem uma identidade. E aos jogadores que chegam, começamos a passar a identidade que o clube tem. E, como capitão, recebê-los da melhor maneira possível para se poderem ambientar e fazer parte do nosso clube.
Tiveste algum capitão em que te inspires?
Tive um capitão muito forte no Cagliari, o Daniele Conti, que era filho do Bruno Conti. É uma pessoa bastante séria, que tanto dentro como fora de campo, quando tinha de cobrar, cobrava mesmo. Deixava de ser amigo para ser um companheiro, ser um capitão. Aprendi muito com ele e cresci muito com ele como capitão.
“Sou a favor de que só os capitães falem, mas também sou a favor de que alguns árbitros escutem, porque há uns que não o fazem e ficam com as suas opiniões, o que também não é bom.”
Que papel é que deve ter um capitão em relação aos colegas de equipa e na gestão do balneário? Às vezes há situações de conflito e momentos menos bons.
Dentro do treino e dentro do balneário, se houver um conflito entre os jogadores, por exemplo, um diálogo que não seja positivo, o capitão tem de chegar, tem de se impor e terminar com aquilo. Não pode acontecer dentro da nossa equipa. Isso pode até criar grupos, coisas menos positivas dentro do balneário, que passam para dentro de campo. Então, como capitão, temos de transmitir isso e ser rigorosos naquilo que temos de ser. Se tivermos de punir algum tipo de comportamento, até para o bem do jogador, temos de fazer isso para esse jogador crescer, ainda mais se for jovem.
Tens ideia de quantos galhardetes já recebeste enquanto capitão de equipa?
Não tenho ideia. Foram muitos, mas não tenho ideia.
Esta época entrou em vigor a regra do capitão, que é o único jogador que pode trocar impressões com o árbitro durante o jogo. És a favor desta medida?
Acho que sou a favor, até porque dentro de campo, se começarmos a falar todos... Acho que o jogo em si já é pouco jogado, a bola corre muito pouco, e se todos quiserem falar com o árbitro, fica menos jogado ainda. Então sou a favor de que só os capitães falem, mas também sou a favor de que alguns árbitros escutem, porque há uns que não o fazem e ficam com as suas opiniões, o que também não é bom.
Sempre quiseste ser jogador profissional de futebol ou houve alguma fase em que ponderaste optar por outra profissão?
Quando era mais novo, ainda não era profissional de futebol, ia para a área militar. Foi a área em que eu pensei naquela fase, quando estava a fazer 17 ou 18 anos. Só que surgiu a oportunidade de ser jogador de futebol. Todos os miúdos, no Brasil, aspiram a ser jogadores de futebol, e eu tive aquela oportunidade e aproveitei.
Na tua primeira época no futebol europeu, em Portugal, foste logo o melhor marcador do campeonato pelo Nacional, com 20 golos, à frente de nomes como Liedson e Cardozo. Era o cenário que tinhas idealizado?
Foi uma coisa bem bacana. Vinha de um momento muito difícil no Brasil, devido a algumas lesões que tive. O clube onde estava, o Cruzeiro, não acreditou [em mim], não tanto o Cruzeiro, mas sim o treinador que lá estava, e vir para um campeonato europeu, um campeonato como o português, e ser o melhor marcador no primeiro ano, acho que foi uma reviravolta na minha vida. Carrego isso para o resto da minha vida e ajuda-me bastante.
Depois do Nacional, estiveste nove épocas em Itália. Quais são as principais diferenças entre o futebol italiano e o português?
Quando saí do Nacional e cheguei ao campeonato italiano, era muito mais força, muito mais tática. Hoje, depois de voltar, acho que nivelou bastante. O campeonato português subiu muito o nível, dentro e fora de campo, em termos de estruturas, de pensamento, até na parte de ginásio, parte tática, de vídeo, essas coisas. Na minha época, no Nacional, não havia nada disso. E hoje, desde que regressei, todos os dias vejo que o campeonato português, fora de campo, tem evoluído bastante.
“Hoje, se consigo jogar, ser o jogador mais velho da Liga e ainda desempenhar um bom futebol, só tenho de agradecer à minha passagem por Itália. E também ao campeonato português, que tem feito essa evolução.”
És o jogador mais velho da Primeira Liga, com 41 anos. Qual é o segredo e como é que se explica estar no mais alto patamar do futebol português com esta idade?
O segredo é ser profissional. Sermos profissionais e fazermos aquilo que nos pedem. Quando fui para a Itália, fui para um campeonato bastante físico, onde já se fazia muito ginásio. Se apanhares um profissional que te passa alguns trabalhos e obedeceres, isso só te faz crescer. E hoje, se consigo jogar, ser o jogador mais velho da Liga e ainda desempenhar um bom futebol, só tenho de agradecer à minha passagem por Itália. E também ao campeonato português, que tem feito essa evolução. E, claro, alimentação, descanso, depois há as noites mal dormidas e isso não pode acontecer. Descansar quando tem de se descansar, a alimentação, acho que é fundamental, e a parte do ginásio. Depois, dentro do campo, é fazer aquilo que mais gostas. Estando descansado, com a mente tranquila, consegues jogar.
O Sindicato dos Jogadores tem insistido na importância de os jogadores continuarem os estudos, até para salvaguardarem o futuro. Já preparaste o teu pós-carreira?
Tenho a ideia de ser treinador. Tenho o meu curso feito como UEFA B, pretendo fazer mais cursos para poder ainda melhorar, para passar para o UEFA A. Neste momento, o meu pensamento é ficar como treinador ou no mundo do futebol.
Desde 2012, tens feito sempre mais de 20 jogos por época, o que significa que, felizmente, tens escapado às lesões graves. Este aumento do número de jogos nas competições da UEFA e da FIFA pode fazer com que haja menos exemplos como o teu e que os jogadores tenham de acabar mais cedo a carreira devido a problemas físicos?
Realmente, a sequência de jogos é muito grande e o tempo de repouso é muito curto. Não tem havido tanto tempo para trabalhar e, por vezes, isso tem provocado muitas lesões aos jogadores. Claro que tendo uma boa estrutura por trás, hoje com bons departamentos, com os materiais que existem em termos de GPS, por exemplo, consegue-se ver a carga horária de um jogador. Acho que, com a sequência de jogos, pode ser que venha a diminuir a carreira de um jogador, sim.
Além das lesões, outro flagelo que afeta os jogadores é o desemprego. Como é que um jogador deve pensar e o que deve fazer perante uma situação dessas?
É complicado. Acho que, como já ouvi várias vezes do Sindicato, a melhor gestão é tirar um curso, como vocês têm, onde as pessoas se podem profissionalizar no pós-carreira. Se o jogador não se preparar para o pós-carreira, depois vai ter dificuldades. Posso até deixar um conselho aos mais jovens: se ganharem dinheiro, estudem, porque o futebol é muito rápido, passa muito rápido. Tenham os estudos. Futuramente, quando pararem, vão ter uma boa estrutura e vão continuar a ter uma boa família e uma boa estrutura fora de campo.
A carreira de um jogador é feita de momentos altos e baixos, como é natural. Psicologicamente, como é que um jogador lida com a adversidade?
É verdade, mas eu tenho uma coisa que já ouvi de um jogador e é verdade: a gente pode ter um dia mau, uma semana má, um mês mau, mas isso não significa que o jogador vai ter a vida má. Os momentos baixos vão acontecer e o jogador tem de estar preparado para isso psicologicamente, para poder sair dessa situação. Isso consegue-se com dedicação, trabalho e, claro, com o capitão e com a ajuda dos companheiros, para poder dar uma força ao jogador para sair dessa situação. Mas tem de se ter cuidado com essas situações.
O Sindicato também tem defendido que o jogador deve fazer a ligação entre o futebol e a comunidade. Já participaste em alguma ação social ou solidária?
Ainda não. Mas tenho vontade de participar.
Estás em Portugal há sete anos. Vais ficar por cá quando terminares a carreira de jogador ou estás a pensar em voltar ao Brasil? Ou até a Itália, eventualmente?
Já tive essa conversa com a minha esposa. Hoje, no Brasil, está muito difícil. Tenho acompanhado algumas coisas pela televisão e até pela família, pela minha filha. O momento de segurança no Brasil não está fácil. É claro que vou decidir com a minha família, mas, neste momento, é ficar por Portugal. Vejo em Portugal umas portas para que eu possa, no pós-carreira, continuar, seja como treinador ou como outra coisa. Se não for para ficar em Portugal, [a ideia] é voltar a Itália, onde tenho o meu filho, e continuar no mundo do futebol.