Opinião: “E depois do desastre?”


Presidente do Sindicato dos Jogadores e o momento atual da Boavista SAD.

No artigo de opinião desta semana, publicado no jornal Record, o presidente do Sindicato dos Jogadores, Joaquim Evangelista, analisa o momento atual vivido pela SAD do Boavista e as dificuldades de alguns clubes para cumprirem as suas obrigações contratuais:

"Após um caminho penoso de mais de uma década, a Boavista SAD falhou a inscrição na II Liga. Uma autêntica espiral de endividamento ao longo dos anos, com muitos problemas no cumprimento de obrigações salariais e histórias repetidas de atletas, trabalhadores e famílias, afetados pela angústia de não saberem quando vão receber, ou sequer se vão conseguir recuperar o seu dinheiro.

O chumbo do último PER, a que esta sociedade desportiva se apresentou, fez soar os alarmes perante um passivo monstruoso, em resultado da incapacidade para resolver os litígios acumulados com credores, dos gigantes aos mais pequenos. Sendo o licenciamento na Liga 3 igualmente exigente, estamos à beira de ver cavado um fosso do qual parece praticamente impossível recuperar, com contratos ainda em vigor e carreiras profissionais totalmente em suspenso.

Nesta altura seria demasiado fácil dizer que fazemos tudo mal, menosprezando o enorme salto qualitativo que demos, quer ao nível dos requisitos de licenciamento quer no controlo financeiro ao longo da época. Ainda assim, lidamos com atrasos no pagamento e a possibilidade de pressão sobre os atletas, para que aceitem diferir o pagamento de salários nos períodos de controlo. Temos créditos laborais fora do processo de impedimento de registo de contratos e sentenças judiciais que esbarram na ineficácia das sanções desportivas e aceitamos investidores que podem dominar clubes diretamente, ou através de testas de ferro, com uma averiguação levezinha da sua idoneidade e conflitos de interesses, mas nenhuma exigência sobre as reais garantias financeiras que devem prestar, já para não falar da proveniência dos capitais.

Tudo falhas que arrastam os mesmos problemas ao longo do tempo. Comparando com o sistema de fair play financeiro francês que ditou, mal ou bem, a descida recente do Lyon, o futebol português tem de ter a capacidade para implementar mecanismos claros, objetivos e universais para assegurar que só os projetos financeiramente sustentáveis têm espaço, pois apenas esses garantem, verdadeiramente, a integridade das competições.

O Boavista é mais um caso, numa época em que não se podem ignorar dificuldades em vários clubes, no futebol masculino e feminino, para cumprir pontualmente as mais elementares obrigações para com os seus atletas.

E depois deste desastre? Melhorar o nosso sistema deveria ser um desígnio para todos os agentes do futebol português, e não um incómodo de cada vez que alguém coloca o dedo na ferida."

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