Gestão financeira dos jogadores em debate no Player’s Corner
Semana da Formação Financeira assinalada por Sindicato dos Jogadores e PNFF em conferência conjunta.
Vídeo com declarações de Miguel Garcia e João Oliveira.
Vídeo com declarações dos representantes do Plano Nacional de Formação Financeira.
O Sindicato dos Jogadores, em estreita colaboração com o Plano Nacional de Formação Financeira (PNFF), organizou esta segunda-feira uma conferência, intitulada “Gestão Financeira dos Jogadores na Era Digital”, para assinalar a Semana da Formação Financeira, que decorre entre os dias 30 de outubro e 3 de novembro, e o Dia Mundial da Poupança, que se celebra esta terça-feira (31 de outubro).
Esta iniciativa, que contou com uma mesa-redonda na qual estiveram presentes o ex-jogador Miguel Garcia, o secretário-geral do Sindicato dos Jogadores, João Oliveira, o diretor do departamento de supervisão de mercados da CMVM, José Manuel Barros, e a coordenadora da área de acompanhamento de mercados e formação financeira do Banco de Portugal, Susana Narciso, foi levada a cabo no âmbito do Player's Corner, um espaço de debate que reflete sobre os grandes temas do futebol português, sob o ponto de vista do jogador, tantas vezes deixado à margem em matérias que lhe dizem estritamente respeito.
Numa data tão significativa para uma causa pela qual o Sindicato tem estado sempre na linha da frente, e num período em que a população está a ser confrontada com sucessivos aumentos, impunha-se uma reflexão aprofundada e estruturante sobre a necessidade de se promover a poupança e uma gestão financeira adequada.
Para além da premência da discussão em si numa data especial, foi também simbólico que este evento tenha decorrido na Universidade Lusófona, instituição que leciona cursos na área do desporto, economia e gestão.
A sessão foi aberta por Jorge Proença, diretor da Faculdade de Educação Física e Desporto da Universidade Lusófona, São Igreja, representante da CMVM na comissão de coordenação do PNFF, e Joaquim Evangelista, presidente do Sindicato dos Jogadores.
Jorge Proença, na qualidade de anfitrião, agradeceu aos presentes e assinalou o trabalho desenvolvido pelo Sindicato na promoção de uma gestão financeira adequada dos jogadores de futebol: “Este é mais um dos temas muito importantes ligados ao futebol. Reconheço ao presidente do Sindicato dos Jogadores o quanto ele tem contribuído para aquilo que é fundamental. Todos sabemos do mediatismo que o futebol acarreta, mas nem sempre pelas melhores razões. A intervenção que o Sindicato tem tido em defesa do essencial do futebol, os jogadores, merece, em meu nome pessoal e em nome da Universidade Lusófona, o máximo respeito, acreditando que há muito a fazer. O tema de hoje é apenas um em torno da valorização daquilo que é verdadeiramente o futebol, o jogador. O presidente do Sindicato dos Jogadores pode contar com a disponibilidade da Universidade Lusófona para o que for necessário.”
Por sua vez, São Igreja recordou que a parceria entre o Sindicato dos Jogadores e o PNFF se iniciou em 2017 e alertou para o trabalho que há a fazer em matéria de gestão financeira: “Temos desenvolvido atividades muito importantes, em prol do jogador de futebol. Este é o primeiro dia da Semana da Formação Financeira, numa iniciativa organizada pelo Conselho Nacional dos Supervisores Financeiros. Vamos realizar cerca de 283 atividades em 121 escolas de todo o país nesta semana. Sabemos bem a importância da gestão das finanças pessoais para os jogadores de futebol. A taxa de poupança das famílias em Portugal atingiu um mínimo histórico em janeiro deste ano, os 0,2%. Há vários estudos que têm apontado que há um longo caminho a percorrer.”
O presidente do Sindicato dos Jogadores agradeceu a disponibilidade da Universidade Lusófona para acolher este debate e deixou um sublinhado: “A educação tem de ser uma prioridade e para nós é. Queremos desmistificar a ideia de que os jogadores são uns privilegiados, ganham muito e não têm problemas. Isso não é verdade e estes fóruns servem para esclarecer esse assunto. Poucos jogadores têm essa condição, mas a grande maioria, por falta de conhecimento financeiro, acaba por cometer muitos erros e ver-se confrontado com situações difíceis que acabam por afetar a sua vida pessoal e profissional. É importante ajudar os jogadores a fazer o seu percurso de forma mais esclarecida. Estamos a viver um momento muito difícil do ponto de vista económico e isso traduz-se na vida das pessoas. O aumento das taxas de juro, a falta de habitação repercute-se na vida dos cidadãos e os jogadores também são afetados por isso. Seja na educação, no emprego, na proteção social, na saúde ou no futebol feminino, não deixamos ninguém para trás e contamos com todos para nos ajudar no nosso objetivo.”
Mesa-redonda debateu os desafios na era digital
Terminada a carreira de jogador, Miguel Garcia dedicou-se à gestão imobiliária, tendo começado a preparar o final da carreira ainda enquanto exercia a atividade como futebolista. O ex-defesa alertou para a necessidade de se precaver o futuro desde cedo: “A partir dos 25 anos, quando saí do Sporting e fui para Itália, tive uma lesão grave no joelho, pensei que a minha carreira ia acabar e comecei a interessar-me mais pela gestão financeira. Tirei algumas formações, tinha completado o 12.º ano, até tinha entrado no curso de desporto da Faculdade de Motricidade Humana. Não consegui conciliar com o futebol e, quando tive essa lesão, troquei de curso e fui para gestão imobiliária porque já tinha alguns investimentos nessa área. Comecei a ler mais livros, porque queria investir melhor e comecei a dedicar-me cada vez mais à parte da gestão imobiliária. Quando jogava no Sporting, tinha colegas como o Sá Pinto, João Pinto e Pedro Barbosa que já falavam em investir e seguimos o exemplo dos jogadores mais velhos. Por outro lado, tive colegas que pediram dinheiro emprestado para pagar a prestação da casa, por terem pouca literacia financeira e não procurarem saber mais. Há casos que não terminam da melhor maneira devido à falta de informação e de acompanhamento. Há sempre imprevistos e a vida acaba por não correr como se quer. Quando se ganha o primeiro salário fala-se muito na poupança, mas há uns que poupam e outros não. Quando integramos a primeira equipa com 20 anos, temos colegas com 30 que têm melhores carros e roupas e a tendência é segui-los para não ficarmos atrás. Só que falta essa capacidade financeira. Tem de se ter os pés bem assentes na terra e não se pode dar um passo maior do que a perna.”
O secretário-geral do Sindicato dos Jogadores, João Oliveira, realçou que a realidade financeira dos futebolistas não é muito diferente da população em geral: “No Sindicato costumamos dizer que a realidade não é homogénea. Basta olhar aos níveis salariais médios, à volta de 2500 euros brutos na Segunda Liga. Percebemos que é muito difícil para um jogador manter o pico de nível financeiro ao longo da sua carreira e a estratégia ao nível da literacia financeira tem de estar implementada. O jogador enfrenta os mesmos problemas do cidadão em geral e tem de fazer face aos seus empréstimos e obrigações pessoais e familiares.”
Em representação do Banco de Portugal, Susana Narciso lembrou as cautelas que os jogadores de futebol devem ter no momento de escolher os melhores produtos financeiros: “Temos no terreno imensas iniciativas para todos os públicos-alvo, a quem queremos chegar, e por isso todos contam. No caso do futebol, o problema de gerir bem as finanças pessoais é transversal a todos. Temos de saber enfrentar a gestão dos nossos orçamentos familiares, pensar em como saber gerir e pensar no orçamento familiar de forma estruturada, para não termos despesas supérfluas e por impulso. Os jogadores têm rendimentos muito semelhantes ao resto da população, mas no futebol cria-se a expetativa de ganhar muito. É muito importante poupar e ter cuidado com o recurso ao crédito, porque é algo que vamos ter de pagar durante bastante tempo. temos de fazer contas para todo o prazo do crédito e o futebolista pode não ter o rendimento estável para todo esse período. Há muitos produtos financeiros e é importante os jogadores não delegarem essa escolha em terceiros.”
Por fim, José Manuel Barros alertou para os riscos que a era digital veio trazer e deixou alguns conselhos: “O digital trouxe-nos um novo mundo, veio facilitar-nos a vida e isso traz-nos um revés, porque o que é muito fácil torna-se em algo muito pouco cuidado. Os jovens estão em aplicações de apostas e ao lado têm uma aplicação de um corretor, que não leva comissões, que são amigos deles e a primeira coisa a fazer é desconfiar, porque no Wall Street não se trabalha de borla. O grande problema é destrinçar o bom do mau, porque estamos a falar de um espaço aberto em que qualquer um pode investir. O digital é um mundo novo com muitas oportunidades, mas com muitas rasteiras. O princípio é não confiar.”
Recorde-se que o PNFF é constituído por Banco de Portugal, Comissão do Mercado de Valores Mobiliários (CMVM) e Autoridade de Supervisão de Seguros e Fundos de Pensões, promovendo a iniciativa “Todos Contam”, à qual o Sindicato dos Jogadores acrescenta “E no futebol também.”