O SEF e o Futebol


Inspetora da Direção Central de Investigação do SEF analisa o fenómeno da imigração ilegal.

Num artigo de opinião publicado na revista “Players”, do Sindicato dos Jogadores, a Inspetora da Direção Central de Investigação do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF), Edite Fonseca Fernandes, aborda o fenómeno da imigração ilegal no futebol e o trabalho desenvolvido no combate a este fenómeno:

“Portugal, país de origem de grandes estrelas futebolísticas da atualidade, é visto como porta de acesso aos mercados Europeu e mundial do futebol profissional, o país onde o sonho do estrelato se pode concretizar.

No decurso dos últimos anos, o SEF tem comprovado o aparecimento de “agentes desportivos” que, muitas das vezes em coordenação com clubes e/ou academias de futebol portuguesas, recrutam jovens atletas – chegando a fazê-lo através das redes sociais, sem nunca os ter sequer visto a jogar – e os introduzem (ou prometem introduzir) no mercado futebolístico nacional.

Estes supostos agentes conhecem bem os meandros da lei, e conseguem instruir os jovens que aliciam quanto à melhor forma de chegar a Portugal – quais as rotas, quais as respostas a dar aquando do controlo de fronteira, ou seja, qual a melhor forma para garantir a entrada em Portugal, sem a necessária habilitação conferida por um visto aposto no passaporte. E porque não viajar com visto que garanta a legalidade da entrada em Portugal? Porque o processo de instrução do pedido de visto, solicitado no país de origem do jogador, obriga à apresentação de contratos de trabalho, declarações emitidas pelo clube português, seguro médico, etc., documentos que asseguram a legalidade do procedimento que estes “agentes desportivos” estão impossibilitados de garantir.

Aliciando dezenas de jovens esperançosos, atuando à margem da lei, estes burlões lucram enormemente perante a ingenuidade das suas vítimas, a quem cobram avultadas quantias que dizem destinar-se ao pagamento da viagem, estadia e processo de legalização em Portugal, e à prometida inscrição neste ou naquele clube de futebol – onde garantem ter relações privilegiadas com as equipas técnicas e direções.

Estes recrutadores visam ganhar o mais possível, à custa da exploração dos jovens recrutados e das suas famílias, ainda mais se porventura estes jovens singrarem de facto num clube menor, e acabarem depois transferidos para um clube da I Liga, gerando nova e maior fonte de receita – a famosa “comissão” destinada ao “agente responsável” e ao clube onde treinou, que funcionou, de facto, como uma “barriga de aluguer”.

Os clubes são de igual modo responsáveis, na exata medida em que pretendem lucrar com a vinda desses atletas para Portugal, que os deixam treinar e autorizam a jogar – muitas das vezes, sem sequer pagarem os salários devidos, e fingindo ignorar que esses jogadores não podem praticar futebol em Portugal sem para tal estarem legalmente habilitados, nomeadamente, através de visto para a prática de futebol amador.

Infelizmente, poucos alcançam o sonho. A grande maioria acaba imersa em problemas, sem sequer a garantia de condições laborais e de subsistência em Portugal, muitas das vezes abandonados na rua, à sua sorte.

O SEF tem desenvolvido uma série de ações de fiscalização, para aferição das condições de permanência de jogadores estrangeiros, da sua estada em Portugal, recolha de informação relativa aos procedimentos adotados pelos clubes e empresários para a vinda dos atletas para território nacional e identificação de possíveis indícios de atividades criminosas ligados a este fenómeno.

Estas ações permitiram confirmar a existência de um número significativo de atletas em situação irregular, e de entre estes, um número muito considerável em situação de verdadeira aflição. Foi implementada uma estratégia transversal: estabelecimento de canais de cooperação com os órgãos reguladores do futebol – Liga Portuguesa de Futebol Profissional, Federação Portuguesa de Futebol e Sindicato dos Jogadores Profissionais de Futebol – com a formalização de protocolos de atuação, reforço das ações de fiscalização, e eventual registo de processos-crime para o apuramento de responsabilidades criminais.

Destaca-se, ainda, a preparação, em curso, de uma campanha de sensibilização conjunta entre o SEF, a Federação Portuguesa de Futebol e a Liga Portuguesa de Futebol, dirigida aos cidadãos estrangeiros que pretendem deslocar-se para Portugal para o exercício de atividade profissional no futebol.

No âmbito do protocolo estabelecido entre as três entidades, o objetivo principal desta campanha é alertar os cidadãos estrangeiros que pretendem jogar futebol em Portugal para a existência de esquemas de auxílio à imigração ilegal e eventual tráfico de seres humanos aos quais devem estar atentos.

Pretende-se, assim, clarificar quais os procedimentos estabelecidos pela Lei de Estrangeiros, atualmente em vigor, para que possam entrar e residir em Portugal, bem como conhecer os requisitos para que se possam registar na Associação de Futebol em Portugal.

No mesmo sentido, no âmbito do projeto AMIGRA, o SEF está a desenvolver uma outra campanha de informação no Brasil, com a colaboração da Embaixada de Portugal, com a finalidade de alertar que, além dos demais requisitos previstos na Lei de Estrangeiros, atualmente em vigor, para entrar em Portugal, os cidadãos estrangeiros devem ser titulares de visto válido adequados à finalidade da sua estadia em Portugal.

Os números, infelizmente, não baixam: desde 2019 até à data, foram detetados 146 cidadãos estrangeiros em situação irregular, todos aspirantes a jogadores de futebol profissional. Foram constituídos arguidos 43 indivíduos e pessoas coletivas (de entre as quais, alguns clubes de futebol), suspeitos da prática de crimes relacionados com a vinda e estadia daqueles atletas.

Estão em curso 37 investigações, pela prática de crimes que vão desde o tráfico de pessoas à falsificação de documentos, passando pelo auxílio à imigração ilegal e burla. Como resolver?

Impõe-se a atuação na origem, junto do público-alvo destes supostos “agentes desportivos”. É determinante que todas as entidades envolvidas possam, de forma articulada, sucinta e clara, explicar qual a forma de poderem vir a treinar e a jogar em Portugal, sem que para tal se coloquem à mercê de esquemas fraudulentos, desenvolvidos por criminosos.

O SEF continuará, no espírito da sua missão, a desenvolver os esforços para que os culpados sejam identificados e punidos, e continuará a colaborar com todas as entidades relevantes, com vista à erradicação deste problema em Portugal.

Só o trabalho em equipa pode vencer campeonatos. Só o conhecimento pode trazer a segurança.”

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