Estar no centro da decisão

A reunião com o Comissário Europeu para a Justiça Intergeracional, Juventude, Cultura e Desporto, Glenn Micallef, em que tive o privilégio de participar integrado na delegação da FIFPRO, e a possibilidade recente de dialogar com os deputados europeus e membros do grupo de trabalho do desporto da União Europeia (UE), permitiu combater uma visão unilateralista das prioridades para o setor do futebol, alimentada pela capacidade de influência da FIFA, UEFA e grandes clubes europeus.
Por estes dias, nos corredores de Bruxelas, foi possível falar abertamente da loucura dos calendários, das dificuldades em fazer respeitar ou negociar novos acordos coletivos de trabalho, dos atropelos constantes a direitos laborais e do desrespeito absoluto pela saúde e bem-estar dos jogadores, mascarado por ações cosméticas que não são mais do que uma forma de mitigar os danos causados.
O Comissário Europeu que tutela o desporto está hoje ciente de que o caso Diarra, ou a ação que corre termos contra a FIFA a propósito da fixação dos calendários, são consequências de um mal maior, relacionado com a ausência de diálogo social e desrespeito pela posição dos atletas, atirados para debaixo do rolo compressor do contexto competitivo atual.
Tantas vezes achamos ser os melhores, por estarmos na Europa, mas com um quadro legislativo tão vasto e tantos recursos a distribuir, ainda promovemos pouco a estabilidade geral, a solidariedade e o progresso em direitos fundamentais que, no desporto, ecoam frequentemente sem consequências: respeito pela saúde física e mental, liberdade de trabalho, direito a um contrato de trabalho digno e ao salário, igualdade de oportunidades para as mulheres, combate à manipulação de resultados, à violência, ao racismo, à xenofobia e todas as formas de discriminação.
Parecem causas perdidas no turbilhão de interesses políticos e económicos que gravitam à volta do futebol. Fiz questão de dar voz ao jogador português e falar dos problemas que enfrentam países como o nosso, feitos de raça, talento e muitas assimetrias. A luta incessante pelo progresso depende de um modelo europeu do desporto forte, capaz de travar as ambições desmedidas de uma pequena elite e abrir a porta a reformas que salvaguardem e protejam a sustentabilidade financeira de todo o mercado europeu.
Uma nota final para assinalar o dia da luta contra a discriminação racial, porque nunca será uma batalha fácil ou justa, tamanha que é a impunidade crescente e cobardia por detrás das multidões ou de um post nas redes sociais. Esta é a luta de todos, da decência, dos valores e da humanidade.
Artigo de opinião publicado em: jornal Record (23 de março de 2025)